ARBITRARIEDADES DOS JUIZES, SEUS REFLEXOS LETAIS E O ESTADO MÓRBIDO DA JUSTIÇA ANGOLANA

OPINIÃO

SIMÃO AFONSO/Académico, jurista e activista politico


A realidade actual da justiça Angolana, uma espécie de faroeste judicial, dentre os vários males, pontifica-se a conduta arbitrária dos juízes, cuja praxe tem causado prejuízos consideráveis aos que buscam a justiça pública para tutela dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

O processo judicial angolano há muito que anda a velocidade imposta pela arbitrariedade do juiz que, vezes sem conta retém o processo no seu gabinete sem despacho, por motivos inquietantemente diversificados, desde a ausência do tribunal por longos dias, a seu bel-prazer, saídas para formação inúmeras vezes, portas do gabinete do juiz trancada com a fechadura avariada por vários meses, tribunal sem tones para impressora, por vários meses, trabalhos no CSMJ, entretanto, uma panóplia frustrante de banalidades, a ponto de chegar, na maior das tranquilidade, a declarações como: “há processos que estão há mais de 10 anos, o teu apenas tem 5 anos.” Uma realidade vil que põe a céu aberto o estado crítico do sistema judicial angolano.                                        

Em 2017, Miranda Carlos, de nome fictício, funcionário dos Serviços Penitenciários, faleceu no Hospital Militar de Luanda, apos ter-lhe sido diagnosticado um Tumor maligno não especificado, segundo consta do seu assento de óbito. O falecido, que deixou viúva e 3 filhos, agora maiores de idade, duma relação anterior ao casamento, recebia os seus ordenados mensais no Banco de Poupança e Crédito, BPC. O falecido detinha uma outra conta bancaria domiciliada no Banco BIC, onde supostamente fazia as suas poupanças.

A viúva, Esperança Marta, de nome fictício, em recurso ao legítimo direito sucessório, em 2018, requereu, na condição de cabeça-de-casal, no Tribunal de Comarca de Luanda, a competente acção de inventário facultativo, que passou a ser tramitada na 3ª Secção do Tribunal Cível e Administrativo daquela instância de justiça de Luanda. As diligências preliminares do tribunal, nos dois bancos resultaram no inventário de AKZ 352.000,00 (Trezentos e Cinquenta e Dois Mil Kwanzas), no BPC, e de AKZ 25.000, 00 (Vinte Cinco Mil Kwanzas) no BIC.

O processo entra no curso de uma relação quadrilátera, tribunal, Repartição Fiscal, BPC e BIC, a velocidade de uma burocracia caracterizada por uma vastidão de intervenientes e prática de actos judiciais e administrativos atemporais. A meio a este labirinto de infinita burocracia, o certo mesmo é que a viúva pagara o imposto sucessório, em cerca de AKZ 7000,00 (Sete Mil Kwanzas) e uma taxa de justiça de  AKZ 69.000,00 (Sessenta e Nove Mil Kwanzas). Pagamentos efectuados até 2021.

Entre 2018 à 2021, o Estado abocanhou AKZ 76.000,00 (Setenta e Seis Mil Kwanzas) dos bolsos de uma pacata viúva  que roga ao próprio Estado, há mais de três anos, o usufruto de  AKZ 377.000, 00 (Trezentos Setenta e Sete Mil Kwanzas), deixados pelo seu difundo esposo.

Esperança Marta faleceu por doença fulminante em Fevereiro de 2023, no Hospital do Prenda, em Luanda. Cinco anos depois de requerer ao Estado, para no uso da sua justiça pública, facilitar o usufruto dos parcos AKZ 377.000, 00 (Trezentos Setenta e Sete Mil Kwanzas), faleceu sem nunca beneficiar dos referidos valores, o Estado, por sua vez, num absoluto acto de locupletamento, surripiou da viúva, em vida, AKZ 76.000,00 (Setenta e Seis Mil Kwanzas).

Os valores solicitados pela viúva, agora companheira celestial do seu esposo, continuam nos Bancos, de igual modo, os juízes e o Estado continuam a fazer de contas que fazem justiça.

A Constituição da República de Angola prescreve no número 1 do seu artigo 179.º que os juízes são independentes no exercício da suas funções e apenas devem obediência à constituição e à lei. Entretanto, uma norma cuja compreensão suscita o chamamento de outras normas, com realce o artigo 29.º, que consagra o acesso a tutela jurisdicional efectiva, elemento basilar  e de garantia do leque de direitos e deveres fundamentais. Os números 1 e 2 desta norma prescrevem que a todos é assegurado o direito e o acesso aos tribunais para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos, e, todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.

A lei n.º 7/97, de 29 de Abril, que consagra o Estatuto dos Magistrados judiciais e do Ministério Público, nos seus artigos 2.º e 58.º, estabelece que a acção dos juízes deve aportar os valores e princípios orientadores da função pública, em que sublinham a eficiência e a eficácia, a responsabilidade profissional, a observância dos prazos e demais normas de procedimento processual e a assiduidade.

O quadro concreto e actual da justiça angolana contrasta com quadro normativo supra citado, uma sinalética clara de colapso sistemático absoluto, que suscita uma intervenção radical, com incidência transversal à todas as suas componentes

Uma justiça integra deve potenciar e providenciar uma convencia social sâ, onde a tutela efectiva dos interesses de cada um simboliza a edificação do um Estado-nação fundado na dignidade da pessoa humana.

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