Portal “Factos Diários” radiografa a vida das crianças em Angola
Na manhã desta Sexta-feira, 31, a equipe do “Factos Diários” saiu para as ruas e mercados da capital e província do Bengo para radiografar o fenómeno social e o esforços de crianças que diariamente desafiam o inimigo invisível, “coronavírus”, para buscar a sobrevivência na zunga de sacos, engraxar sapatos, trabalho no campo e outras actividades rentáveis de forma a sustentar os adultos.
Por: Redacção do “Factos Diários”
Mesmo com a Pandemia, os vendedores ambulantes e prestadores de serviços, não hesitam do compromisso assinado com a vida, aliás, apenas do lucro sobrevivem e um dia em casa, é equivalente a uma noite sem alimentação. A crise financeira decretada em 2014 no país e o surgimento do COVID-19, todos, independentemente das idades, são chamados a juntar forças na luta pela sobrevivência.
Adriano Katchipela, de 08 anos de idade, deixou de estudar este ano para juntar-se à irmã mais velha na venda de água fresca que tem ajudado na alimentação da família. No mercado do Kicolo, kwanzas e Catinton, são visíveis menores de idade a se dedicarem a venda de Kissangua (líquido feito com a fuba de milho).
Rafael Domingos, José Augusto, com as idades compreendidas entre 12 e 13 anos, largaram a escola para ajudar nas despesas de casa, trabalhando como vendedor ambulantes e, no fim do dia lucram entre 500 a 800 kwanzas.“ Desistida escola porque o meu pai sempre me obrigava a trabalhar nas lavras inclusive no período das provas. Actualmente estou a vender bolachas e rebuçados para ajudar os meus pais porque estão desempregados”, disse José Augusto Teka.
Já Feliciana Neto Joaquim, de 13 anos, ajuda a mãe, com deficiência visual, a vender tomate na praça dos kwanzas, avançou ainda que, vive com mais dois irmãos menores, na vila de Cacuaco, dentre estes, um vende sacos no mercado do Kicolo e outro fica em casa para cuidar da mãe, pois, o pai já é falecido.
Todos têm um sonho e Feliciana Neto quer ser enfermeira e garante que depois da pandemia do COVID-19 voltará a estudar mas ficou o grito de socorro. “Quero voltar a estudar no próximo ano para realizar os meus sonhos”, assegurou Feliciana.
O problema do trabalho infantil não é exclusivo em Angola. Segundo relatórios da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgados em Junho de 2018, “168 milhões de crianças são forçadas a desempenhar tarefas acima da idade, a troco de dinheiro”.
Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) referem que “218 milhões de crianças no mundo, com idades entre 5 e 17 anos, estão engajadas na produção económica. Desse universo, 152 milhões são vítimas de trabalho infantil”.
“Haverá poucas crianças nas ruas e nos mercados formais e informais, se o governo garantir mais emprego aos pais. Estamos a brincar com o futuro do país, estamos a capacitar zungueiros, lavadores de carros e ladrões quando esses atingirem 20 anos, não saberão ler e nem escrever. Daí, há necessidade, quer o governo, quer as igrejas e os pais trabalharem no sentido de inverter o quadro. Uma criança, adolescente ou um jovem desorientado, teremos igualmente um país desorientado. Deve se apostar nos recursos humanos”, disse o Sociólogo Alberto Caluvi Valukuta.
Crianças engraxam sapatos para sobreviverem
Segundo a pesquisa efectuada pela equipa do Factos Diários, nos anos de 2013 e 2015, não existia em grande escala nas zonas rurais, menores a engraxarem sapatos com a finalidade de receberem em troca 50 ou 100 kwanzas por pare.
O senhor Victorino Sapalo, é engraxador há mais de 6 anos e faz os seus trabalhos na Mutamba, poucos metros do Governo Provincial, segundo o veterano, engraxar era trabalho de adultos e dava muito dinheiro, hoje, “as crianças vieram tirar o nosso lugar e, o dinheiro que conseguem durante o dia muitos usam para comprar bebidas e drogas”, disse.
Apesar de muitos engraxadores menores no centro da cidade serem meninos de ruas, foi possível constar outras crianças lúcidas que fazem do seu rendimento para assegurarem as suas casas e comprar roupas. A questão que não se cala é a seguinte: estamos diante de uma exploração de menores ou trata-se de crianças com o espírito de empreendedor?
O sociólogo Alberto Caluvi Valukuta, considera o fenómeno, como um dos entraves ao desenvolvimento intelectual do indivíduo, porque, segundo conta, retira dos jovens o tempo de se formarem e os leva muita das vezes criarem grupos informais e o aumento da delinquência e da prostituição.
A nossa equipa de reportagem do portal “Factos Diários”, deslocou-se na manhã desta sexta-feira a um dos maiores mercados da província do Bengo, para ver e ouvir as declarações dos pequenos engraxadores de sapatos no mercado do Panguila.
Naquele mercado, os engraxadores têm idades compreendidas entre 11 e 14 anos e muitos deles praticam esta actividade acerca de dois anos. Muitos desses menores, os seus trabalhos é do conhecimento dos pais, mas não agem porque não há outra opção, ou seja, as dificuldades que os pais atravessam, sentem-se obrigados encorajar os filhos a essa prática.
“Nenhum pai aceitaria ver o seu filho a engraxar sapatos uma vez que existe outras ocupações de menores como a escola e outras actividades destinadas às crianças. O que acontece é o índice de pobreza que assola o país e os pais não têm como travar o filho porque em casa não tem nada”, disse o psicólogo Jovelino Matari.
Os direitos da criança, orienta que o interesse da criança em aprender deve ser superior e direccionador daqueles que têm a responsabilidade de educá-los. A criança necessita de uma educação que favoreça sua cultura geral e lhe permita, em condições de igualdade de oportunidades, desenvolver suas aptidões e sua individualidade, seu senso de responsabilidade social e moral, vindo a ser um membro útil à sociedade.
Artigo nono do direito das crianças, explica que “a criança será protegida contra qualquer crueldade e exploração”.
“Em Angola, quer os pais quer os governantes, parece que entenderam de forma errada. Neste princípio, as crianças deveriam serprotegidas contra o abandono e a exploração no trabalho, ou seja, a criança não deveria ser utilizada como mão-de-obra para qualquer tipo de trabalho sem antes atingir os seus 18 anos de idade. Enquanto isso não acontecer, ela não deve se ocupar de um tipo de emprego ou trabalho que possa prejudicar sua saúde ou sua educação, ou impedir seu desenvolvimento físico, mental ou moral2, disse Matari.
UNICEF em Angola
Há mais de 70 anos, o UNICEF trabalha para salvar a vida de crianças, defender os seus direitos e ajudá-las a desenvolver todo o seu potencial. Hoje presente em 190 países e territórios, o UNICEF é a maior organização internacional para a promoção e protecção dos direitos da criança. Está instalada em Angola desde 1976.
Os programas do UNICEF no país estão de acordo com o Programa de Cooperação 2015-2019 assinado com o Governo de Angola e tendo como base o Plano Nacional de Desenvolvimento do país, apoiar os esforços governamentais destinados a reduzir as disparidades existentes nos indicadores sociais da população infantil de Angola.
Apesar da República de Angola, através da Lei nº 25/12, de 22 de Agosto, aprovar os mecanismos de protecção e desenvolvimento integral da criança, que inclui os 11 compromissos com os infantes, a implementação do Projecto “Nascer Cidadão” e “Massificação do Registo”, as acções quer do governo e do UNICEF, não se repercutem na vida das crianças que vivem na linha vermelha da pobreza.
Inverter o quadro é urgente para o bem do país.