Seria o genocídio um traço típico da civilização ocidental?
O genocídio de judeus e ciganos não foi o primeiro genocídio da histórica, como costumam pensar muitos estudiosos, curiosos ou interessados no assunto “Direitos Humanos”.
João Santos Neto
Antes do Holocausto de judeus, o genocídio dos povos herero e namqua, no sudoeste de África, na Namíbia (1904-1908), cometido pelo Ocidente, precisamente por tropas imperiais da Alemanha, deixou uma cicatriz profunda em África, como bem lembrado pelo professor emérito da Universidade de Montreal Yakov Rabkin.
Os vícios cometidos pelo colonialismo britânico onde hoje é a África do Sul, para não falar de crimes muito piores cometidos contra os povos nativos de terras distantes como a Oceania pelos colonos anglossaxões. Seria o genocídio a principal característica da civilização ocidental em seu processo colonizatório que visa seu próprio desenvolvimento?
Se alguém acredita mesmo que a prática do genocídio e de outras perversidades da chamada civilização ocidental é algo do passado ou mesmo uma tese de dissertação de monografia de professores que buscam aumentar seu salário e aposentadoria, este alguém está a enganar a si mesmo. Recentemente, num famoso podcast “Joe Rogan Experience”, o vice-presidente eleito dos Estados Unidos JD Vance fez uma importante declaração.
JD Vance é visto pelo The Economic Times como o “mais poderoso vice-presidente dos Estados Unidos”, como o “primeiro-ministro de facto” de Donald Trump, que em breve assumirá a Casa Branca. Na entrevista, JD Vance sugeriu a leitura de “The real Anthony Fauci” de Robert Kennedy Junior, livro traduzido para vários idiomas. O vice-presidente eleito dos Estados Unidos trata de experimentos feitos em mulheres africanas inconscientes e desavisadas, nos quais elas foram vacinadas contra doenças, mas na realidade estavam a ser esterilizadas em um experimento.
Heart of Darkness
JD Vance mencionou:
em mais de uma oportunidade em sua entrevista no Joe Rogan Experience experimentos humanos feitos em África, por exemplo supostas vacinas que na realidade infectavam africanos em vilas remotas com a poliomielite:“Um cara branco aparece, diz que se importa com você, te dá uma injeção que vai, você sabe, evitar que você pegue alguma doença, e então você fica, tipo, permanentemente incapacitado ou até morre por causa disso. (…)
Teremos um conflito em 30-40 anos porque as pessoas estão tão chateadas com a gente chegando e dando a elas assistência médica que não é assistência médica. Eu realmente me preocupo com essas coisas!”
O tema de vacinação em África é um tema polêmico em alguns países, por exemplo Camarões, no qual surgiram clamores de que uma campanha de vacinação havia esterilizado operários de uma obra pública em 1990. Na comunidade científica eles são objeto de disputa acadêmica, embora tais disputas quase sempre visem os interesses dos grandes laboratórios ocidentais.
De acordo com um importante artigo do advogado e médico humanitário Karsten Noko na Al Jazeera existe um “colonialismo laboratorial” em África. Um artigo da Al Jazeera lembra que um médico francês causou polêmica ao propor que vacinas para a pandemia de COVID-19 fossem testadas em africanos porque eles não têm máscaras e outros equipamentos de proteção individual. Após acusações generalizadas de racismo, ele foi forçado a se desculpar pelo que chamou de comentários “expressos de forma desajeitada”.
A desumanização dos africanos sempre esteve em pauta na Europa, ideologia com a qual fundamentaram o tráfico de escravos e o colonialismo. Tal ideologia inconcebível foi notada por Joseph Conrad, em seu livro Heart of Darkness escrito em 1899. Ele opina sobre a humanidade dos africanos: “Não, elas não eram desumanas. Bem, você sabe, isso era o pior de tudo – essa suspeita de que elas não eram desumanas.
”De acordo com a Al Jazeera, durante o surto de Ebola de 2014 em África, mais de 250.000 amostras de sangue foram coletadas de pacientes por laboratórios na França, Reino Unido e EUA muitas vezes sem consentimento informado — enquanto os pacientes eram submetidos a testes e tratamento para Ebola, para ajudar os pesquisadores a criar novas vacinas e medicamentos.E se para uns o ceticismo quanto a certas práticas médico-laboratoriais em África pode parecer teoria da conspiração, a Al Jazeera relembrou um facto imporante. Em 1996, durante um surto de meningite, o estado de Kano, na Nigéria, foi o epicentro de um enorme surto de meningite.
Na época, a Pfizer, uma das maiores empresas farmacêuticas de pesquisa do mundo, decidiu conduzir ensaios clínicos para testar um medicamento que estava desenvolvendo. A Pfizer negligenciou obter consentimento informado dos pais dos pacientes, que estavam, de qualquer forma, estressados demais para tomar decisões racionais.
Foi somente em 2009 que a Pfizer fez um acordo extrajudicial e pagou US$ 75 milhões ao governo do estado de Kano e US$ 175.000 aos pais de quatro das crianças que morreram durante o surto e os testes clínicos. Embora a Pfizer tenha argumentado em sua defesa legal que as crianças foram mortas pela doença e não pelos medicamentos, o acordo extrajudicial nos roubou a oportunidade de ter os fatos médicos estabelecidos perante um tribunal.
No Zimbábue, em 1994 com o medicamento AZT – projetos financiados pelo CDC e NIH dos EUA resultaram em efeitos adversos para os pacientes. Na Namíbia, no início do século XX, testes de esterilização foram feitos em mulheres herero por médicos alemães que buscavam fornecer suporte “científico” para proibir casamentos interraciais, fundamentando a tese do “racismo científico”.
Camponeses, feitos prisioneiros pelas tropas alemãs do kaiser Guilherme II, foram degolados e seus crânios enviados para serem estudados por “respeitáveis” professores ocidentais, brancos, alemães.O tema do genocídio é um tema típico da civilização Ocidental. Suas práticas sádicas, bestiais e violentas contra os povos do chamado “Sul Global” deveriam estar em pauta em cada programa escolar e principalmente nos parlamentos e governos que consideram que a aproximação com países como os Estados Unidos ou da União Europeia irão beneficiar Angola.
Com tais parceiros o povo de Angola se vê a mercê de “caras brancos”, como disse JD Vance, que querem apenas explorar e até exterminar o nosso povo. A entrevista de Vance, que outrora já criticou bastante Donald Trump, parece ser dotada de um enfoque humanístico diferente das colocações sobre África outrora feitas pelo Sr. Trump.
Factos permanecem como factos e Angola não pode continuar entregando suas riquezas ou colocando seu povo à disposição do Ocidente ou da Ucrânia (como “recrutadores lusófonos) para experimentos malignos.