Qualidade de efectivo do SIC não pode aparecer como circunstância agravante: “Vídeo pode atenuar pena do agente”, diz penalista Waldemar José
A última semana ficou marcada pela agressão do agente do Serviço de Investigação Criminal (SIC), Weza de Almeida, contra a namorada, Flora de Jesus Ngongo, depois de supostamente ter descoberto um vídeo de caris sexual, no telefone da jovem, onde aparece a ter relações com uma outra pessoa. A agressão levou a que os vizinhos activassem os agentes da ordem da Esquadra do Distrito Urbano do Rangel, que rapidamente se deslocaram até ao local do sucedido, e resgataram a jovem das agruras e detiveram o agente.
Fonte: Na Mira do Crime
…
Para melhor perceber os crimes em que o efectivo incorre, o Na Mira do Crime contactou o Penalista e Docente Universitário Waldemar José, para fazer um enquadramento jurídico do caso.
O Especialista, começou por explicar que só pode fazer a abordagem com base em hipóteses, uma vez que não tem em mãos o processo, não esteve no local e não sabe essencialmente o que terá ocorrido, para além dos pressupostos que dão conta que o indivíduo terá ido à casa da namorada, e recolheu, de forma violenta, o telefone das mãos da jovem, tendo-a obrigado a entregar as credências para que ele pudesse desbloquear o telefone, para ter acesso às informações que nele continham.
Se o que circula nas redes sociais for verdade, disse o docente, estamos perante vários crimes e, começaríamos logo com o acesso ilegítimo à sistema de informação e devassa, através de sistema de informação, previsto no artigo 438 do Código Penal.
“Primeiro é que ele acedeu ao sistema de informação, que não é propriamente o telefone, mas sim, o sistema operativo de informação, por um lado e, por outro, não sendo ele o titular do telefone, ainda que ele tivesse oferecido o respectivo telefone, a partir do momento em que se oferece o telefone e não sendo sequer eles casados, por exemplo, em regime de bens adquirido, agrava a situação”, explicou, acrescentando que, sendo a namorada titular do aparelho, ela tem de conceder a autorização, e se não houver essa consentimento, a pena vai até 2 anos de prisão.
“E se for um telefone que tenha password para que se possa aceder, e ser feito de forma indevida, e de acordo com o que se lê ele seguiu esta via, a pena já vai de 2 a 8 anos de prisão”.
Segundo o nosso entrevistado, o caso é agravado pelo facto do mesmo, supostamente ter divulgado um vídeo onde a sua eventual namorada está num acto sexual com um outro individuo.
“O acesso a essa informação, não estando ele autorizado, permite efectivamente que seja punido por 2 a 8 anos de prisão, e com o agravante de ter transmitido” disse.
Waldemar José sublinha, que a sua posição é feita em suposição, uma vez que não tem a confirmação dos dados.
“Com estes comportamentos, a princípio, estão preenchidos os elementos constitutivo do crime de acesso ilegítimo a informação e devassa, através de informação, prevista no artigo 438, em que a tentativa é sempre punível ainda que ele não conseguisse desbloquear, já seria punido pela tentativa, a pena seria especialmente atenuada”, explicou.
Crime de Coacção
Outro crime em concurso será o de Coacção. O Penalista diz ainda que o agente incorre também no crime de coacção, uma vez que às informações que circulam nas redes sociais, foram supostamente obtidas por meio de violência, ou por meio de ameaças.
Conforme se lê, se obrigou a namorada a realizar uma acção (desbloquear o telefone), e caso não fosse realizada a mulher seria morta ou espancada, ou ainda iria produzir um mal relevante e que pudesse culminar com um atentado contra a integridade física dela ou até mesmo a vida, se isso ocorreu, em concurso, esse namorado incorre também na prática do crime de coacção, previsto no artigo 171 do Código Penal, punível com a pena de prisão de até 3 anos ou multa de 360 dias.
Crime de Integridade Física: Vídeo pode atenuar pena do agressor
Outro Crime em concurso é de Integridade Física. De acordo com Waldemar José, um outro crime que se deve levantar, é o crime de ofensas à Integridade Física privilegiada.
“Nós acreditamos que a razão que motivou o jovem a praticar aqueles actos foi o de ciúmes, por ter encontrado aquele vídeo… ele poderá ver a sua pena especialmente atenuada em relação a Ofensa a Integridade Física e, aqui seria um crime de Ofensa a Integridade Física Privilegiada, porque no momento em que ocorreu o facto, ele encontrava-se num estado de intensa emoção, desespero, compaixão ou até de um qualquer outro sentimento que, naquele momento, pudesse diminuir consideravelmente a sua culpa e que justificaria a aplicação do crime de Ofensa a Integridade Física privilegiada, prevista no artigo 163 do código penal, cuja pena seria especialmente atenuada”, observou.
Seria especialmente atenuada em quê?
Ou por via do artigo 159 do Código Penal de uma ofensa simples a integridade física, “aqui permita-me que eu faça uma pequena crítica ao legislador, visto que a diferenciação entre a ofensa simples a integridade física, e a ofensa grave a integridade física, que foi até certo ponto infeliz, porque a simples é um crime de natureza semi público, enquanto a ofensa grave a integridade física é um crime público, pelo que, mesmo até para despoletar o competente procedimento Criminal, se for grave, o Ministério Público tem a competência para promover imediatamente o procedimento criminal, enquanto se se tratar de uma Ofensa simples a Integridade Física tem que depender da queixa que vai ser exercida pela ofendida”, analisou.
A qualidade do agressor
Segundo o responsável, pelo facto do agressor ser um efectivo de um órgão de policia criminal, quando vai à casa da namorada, não foi como um agente do SIC.
“A sociedade tem que ter esta capacidade de separar a qualidade dos agentes, para acções de fórum particulares, porque ele não foi lá executar nenhuma operação, ou busca ou detenção, atenção: ele não foi na qualidade de nenhum operativo daquele órgão, ele foi como namorado, então ele não deixa de ser um cidadão comum, então essa qualidade não pode aparecer como uma circunstância agravante, a não ser que tivesse ido a serviço, aí sim, concordaríamos”, portanto, conclui, não se coloca isso.
“Contudo, importa referir que o estado em que se deixou a vítima, se ela eventualmente vier a morrer nos próximos dias, haveria um crime preterintencional e se os juízes entenderem que a ofensa foi Simples a Integridade Física, nos termos do artigo 159, então se ela vier a morrer, a pena passará de 1 a 6 anos de prisão, mas se o juiz entender que a Ofensa a Integridade Física foi grave, se ela morrer no próximos dias a pena é de 3 a 12 anos. Se essas Ofensas à Integridades Físicas forem simples, e resultarem numa Ofensa Grave a Integridade Física a pena é incrementada de 6 meses a 5 anos de prisão, sem olvidar o concurso de outros crimes que iriam integrar um conjunto de ilícitos acima citados”.
Crime de Omissão de Auxílio
Este crime é tido em conta porque, diz o especialista, ele tinha tudo e sem grave risco a sua vida ou a integridade física (dele), prestar auxílio à vítima naquele momento. “Deixou de o fazer, colocando a vitima numa situação que pudesse perigar a vida dela ou a integridade”. Quando isso ocorre, avançou o docente, e como foi ele mesmo o comitente e deixou de prestar auxílio, se no caso essa vítima não tiver consequências graves, seria punido com 1 a 3 anos de prisão, mas na eventualidade da vítima vier a falecer por não lhe ser prestado socorro no momento adequado, ele poderia ser punido com 2 a 8 anos de prisão, “todos esses crimes entram em concursos, assim sendo, temos de ir buscar a regra dos artigos 28 e 78 do Código Penal, como se faz o concurso, ou melhor tem que se encontrar a pena concreta de cada um dos crimes, faz-se o somatório das penas de cada uma dos crimes, e o resultado vai perfazer o limite máximo, desde que não ultrapasse 35 anos”.
Para o limite mínimo, vai ser a maior pena concreta de todos os crimes, e aí o aplicador da lei, no caso o juiz, encontraria a nova pena concreta que seria aplicada ao arguido.
Por fim, se o indivíduo quisesse matar e foi interrompido pelos vizinhos, então, estaria em concurso de crime, a tentativa de homicídio, previsto no artigo 147 do Código Penal, em substituição da ofensa grave à integridade física.