Músicos nacionais sobrevivem por milagre

O mercado da produção musical em crescimento no país, sobretudo, na última década, tem entrado em colapso nos últimos meses, devido à Covid-19, que “congelou” a realização de várias actividades artísticas e culturais, criando avultados prejuízos financeiros aos criadores, produtores e agentes nacionais.

Matias Damásio defende uma maior aposta na indústria cultural para ajudar a resolver alguns dos problemas sociais da classe.

A situação, que está a ser considerada como crítica, para o músico Matias Damásio, tem criado divergências entre os produtores nacionais. Para o cantor, é urgente que se revejam as políticas de apoio e massificação das artes, fundamentalmente as ligadas à criação de uma indústria cultural. Mesmo reconhecendo a existência, nos últimos anos de uma melhoria no ambiente cultural, ainda assim o cantor espera ver um maior envolvimento do Estado, “de forma a garantir o crescimento do sector, em benefício da classe artística”.

“Até os direitos de autor e conexos, um importante instrumento legal, não se fazem sentir na vida dos criadores”, criticou. Com o confinamento e o encerramento temporário dos espectáculos, continuou, os artistas estão a passar por imensas dificuldades para sustentarem as famílias, “porque muitos apenas dependem dos rendimentos destas actividades”.

Por isso, acrescentou, nesta fase, em que nada se produz, a classe artística, merecia, também, ser “protegida” como aconteceu com alguns sectores do país. “Os músicos sempre promoveram a imagem do país e têm desempenhado um papel importante, ao longo dos anos, na mobilização social, por isso merecem uma atenção especial do Estado”, afirmou.

Migalhas

O sector cultural nacional, defendeu Matias Damásio, sempre foi relevante na mobilização e sensibilização das comunidades, em especial, sobre os principais problemas que as afectam, por isso, nesta fase difícil, deveria estar a viver de uma “política proteccionista”. Uma das sugestões do cantor é a criação de um fundo de apoios aos artistas mais necessitados. “Outras medidas poderiam ser a isenção de impostos, por um determinado período de tempo, como está a acontecer com outros sectores sociais”.

Para Matias Damásio, a “política de migalhas” continua a não resolver a situação da classe. “O Estado não deve dar apenas quando há uma situação de precariedade, mas sim criar políticas para a promoção do auto-emprego, capazes de despertar o espírito empreendedor, essencialmente nos promotores culturais, ainda com dificuldades para acederem ao crédito bancário”, disse.

O desenvolvimento cultural, destacou, só vai acontecer quando existirem políticas mais firmes e o financiamento de projectos artísticos. “Desta forma vai ser possível alavancar a própria indústria cultural nacional. A classe precisa de financiamentos e não de doações”, concluiu.

Salários

O músico e mentor do projecto Karga Eventos, Big Nelo, é outro dos artistas a lamentar os vários contratempos causados pela Covid-19. Actualmente a tentar pagar salários aos trabalhadores, o cantor disse não estar a sentir a “compensação do Estado”.

“Sem produção fica difícil manter os projectos no activo. Não temos incentivos fiscais, facilidades de créditos junto à banca e por isso não temos retorno dos investimentos. Com o andar do tempo, vamos todos desistir e ter de colocar muitos jovens no desemprego”, lastimou.

Antes e depois

Muitos músicos, como Cristo, que antes do surgimento da pandemia era dos mais solicitados para a actuar em espectáculos, estão a passar por inúmeras dificuldades para poderem sustentar as famílias. Cristo, autor do sucesso “Astro da minha vida”, título homónimo do primeiro disco, de 2008, que tem ainda um segundo CD, “Palavras”, de 2016, disse estar a viver momentos difíceis, devido à Covid-19.

“Tentar adaptar-se à nova realidade tem sido o caminho por enquanto”, disse, acrescentando que enquanto a situação não melhorar tem procurado o momento para estar mais próximo da família e compor novas letras.  “É uma fase de reflexão, em especial para rever a situação social dos artistas, assim como quais políticas devem ser tomadas para melhorar a vida dos membros da classe”, defendeu.

Distância

A forma como o Estado angolano deve ajudar a classe artística ou como está pode sobreviver à pandemia ainda é uma realidade muito distante da de países, como os europeus, nos quais os criadores são protegidos por leis, na opinião de Sabino Henda. O autor do sucesso “Embrião”, tema vencedor do Top dos Mais Queridos de 2004, disse que o “marketing” no sector cultural angolano ainda está a “engatinhar”, “razão pela qual não se faz sentir na vida social dos artistas”.

“O papel dos empresários nesta fase é praticamente nulo. Eles devem ter um papel fundamental numa crise, em especial para os seus filiados”, sugeriu.
A indústria cultural nacional, criticou, ainda é inactiva e isso cria inúmeros problemas à classe. “Só cestas básicas não resolvem o problema. Precisamos de muito mais, em especial de políticas que ajudem a criar emprego no sector cultural”, defendeu.

Alívio

Os membros do grupo de rap, Elenco de Luxo, acreditam que com o actual Estado de Calamidade e a reabertura das salas de espectáculos e restaurantes, os músicos podem ter, agora, uma maior oportunidade de recuperarem o tempo perdido. Apesar da situação continuar a requerer cautelas, MC Cabinda perspectiva dias melhores, “mesmo sufocantes”.

“Embora as plataformas digitais tenham sido uma saída em tempos de necessidade, o público angolano ainda não está preparado para começar a usar estas ferramentas. Os concertos online ainda não são rentáveis, porque o país não tem uma indústria estruturada capacitada para tirar o maior rendimento desses recursos tecnológicos”, desabafou o rapper.

As transmissões em directo, nas plataformas digitais, afirmou, servem mais para promover a imagem dos grupos. “Se existisse uma empresa a financiar essas actividades artística, então os concertos seriam rentáveis para os cantores”, aclarou MC Cabinda.

Oportunidade

Para o músico Miguel Buila, nem tudo é negativo durante a pandemia da Covid-19. “O momento está a ser uma oportunidade para muitas pessoas estarem mais próximo das famílias”, disse, adiantando que por isso “nem tudo está a ser ruim”.  Nesta fase, o cantor está a aproveitar para divulgar temas, alguns deles inéditos, nas plataformas digitais.

“Além da música, também, tenho conversado muito com os fãs sobre determinados temas sociais, de forma a passar uma mensagem positiva a estes, em particular os mais jovens, com os quais busco soluções para alguns problemas que os afligem”, destacou. O músico explicou ainda que tem realizado, com parceiros sociais, acções solidárias, entregando donativos a centros de acolhimento, como o Dom Bosco, no Palanca, de forma a acudir os mais carentes.

Fonte: Jornal de Angola

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