LICEU: Espaço de massificação do ensino e instrumento de promoção do desemprego
Por. Dr. Faustino Moma Tchipesse
professor, escritor e palestrante
A busca pela excelência no ensino e na educação associa-se directamente com a dimensão ética. O ensino em angola foi, durante cinco séculos, colónia portuguesa, conquistado a sua independência a 11 de Novembro de 1975. A constituição da república de angola consagra a educação como direito de todos os cidadãos, independentemente do sexo, raça, etnia e crença religiosa. Em 1977, dois anos após a independência, foi aprovado um novo sistema de educação e ensino, cuja implementação se iniciou em 1978, na base dos seguintes princípios:
- Igualdade de oportunidade no acesso e continuação de estudos;
- Gratuitidade do ensino em todos os níveis;
- Aperfeiçoamento constante do pessoal docente.
- O maior impacto tangível do novo sistema de educação traduziu-se na grande afluência da população à escola, pois, se em 1974 estudavam cerca de meio milhão de angolanos, em 1980 esse número superava os 1.800.000.
Os dados do INIDE (2013) dizem que não foi possível manter esses indicadores, pois o País, depois da conquista da independência, continuou em guerra civil cujas consequências se fizeram sentir principalmente nas zonas rurais.
O Ministério da Educação fez um diagnóstico do sistema de educação em 1986 que permitiu fazer um levantamento das suas debilidades e necessidades. Com base nesse diagnóstico, chegou-se a conclusão da necessidade de uma nova reforma educativa e foi então possível traçar linhas gerais para a mesma.
As mudanças do sistema político multipartidarismo acarretaram mudanças substanciais das políticas educativas. Atendendo às várias situações que marcaram o estado da educação em angola, foi necessário redefinir os padrões das políticas educativas, e, a meio a tudo isso, deu-se os primeiros passos para a preparação da segund reforma educativa LBSEE n.º13/01 de 31 de Dezembro. O foco da nossa abordagem centra-se numa análise crítica sobre a inutilidade dos cursos ministrados nos Liceus (Ex-Punivs). Hoje, se fizermos uma caracterização prévia das escolas do 2ºciclo do ensino secundário, compreenderemos que elas são máquinas ou instrumentos de massificação e garantia objectiva do desemprego daquele que sonha ser um cidadão apto para contribuir para o desenvolvimento sustentável do País.
A reforma educativa consubstanciada na LBSEE n.º32/20 que refuta a LBSEE n.º17/16 de 7 de Outubro apresenta algumas componentes importantes, pois se reflectirmos sobre ela entenderemos que a mesma abre expectativa a todos indivíduos envolvidos no processo educacional. É evidente que ela traz opções educacionais e cria perspectivas de formação dos jovens e das futuras gerações. Dela espera-se a contemplação dos interesses e das necessidades de uma sociedade em transformação.
É necessário que se faça uma reforma dos Liceus, visto que eles já não conseguem responder os reais desafios das políticas públicas de Governação. A LBSEE n.º32/20 fixa um quadro de referências que definem as finalidades educacionais e a orientação básica para a configuração da estrutura e organização na escola.
Com base naquela Lei, foi elaborada a proposta de organização dos cursos e definição dos planos de estudos das escolas do 2ºciclo do ensino secundário. Por via do plano curricular (INIDE,2013), apercebemo-nos que a sua elaboração resultou da auscultação, reflexão e ordenação dos projectos com participação dos intervenientes de diversas instituições educativas e não só. Para delinear e conceber as tipologia dos Liceus, os cursos ministrados, a estrutura curricular e o perfil de saída para os alunos, foi necessário fazer um trabalho em conjunto com os pais e encarregados de educação e com as comunidades.
Os agentes que participaram da estruturação e do enquadramento dos programas do 2.ºciclo do ensino secundário geral, tiveram «como parte das intenções pedagógicas a articulação vertical e horizontal como acção indispensável para a concretização das ideias políticas e educativas»
Os cursos ministrados nos Liceus têm uma função social. Ela proporciona conhecimentos necessários com qualidade requerida, desenvolve capacidade e aptidões e consciencializa o estudante sobre os valores para a vida social e produtiva que o País exige ou para prosseguimentos de estudos. Importa ressaltar que, do ponto de vista prático, os Liceus, perderam o seu foco, seu carácter de função social. O actual contexto resvala o não prosseguimento de metas mais exigentes de desenvolvimento, pois, por falta de concatenação de políticas educativas, os Liceus deixaram de responder aos objectivos pelos quais foram criados e têm estado a responder em contramão às políticas de empregabilidade dos jovens (maior desafio de governação).
O nosso ponto de vista resulta de uma reflexão objectiva da vertente sócio-afectiva e intelectual dos alunos, alinhado ao plano curricular que evolui lado a lado durante a sua formação. À falta de políticas de construção e gestão das escolas do 2.ºciclo do ensino secundário, verificamos o grande desinteresse dos jovens na formação da sua consciência crítica. No meio de tantos inquietos, sentimos a falta de integração dos jovens nas escolas e as incertezas dos mesmos numa escolha dos cursos e das profissões por conta das reais dificuldades registadas no funcionamento das estruturas educativas que respondem àquele subsistema de ensino. E isso tem desnorteado a verdadeira missão da escola.
Quando se concebeu as escolas do 2.º ciclo do ensino secundário, um dos escopos da sua existência teve a ver com a ideia de entrada no mundo de trabalho e as preocupações com os estudos superiores (INIDE,2013,p.9). Os alunos que terminaram nos Liceus encontram grandes dificuldades de enquadramento nas empresas por não possuírem tecnicamente capacidades de responder os grandes desafios colocados pelos gestores de empresa. E, por se tratar de um número elevadíssimo de jovens que terminaram e terminam aquele nível, hoje, sentimos o elevado número de desemprego, com isso tem aumentado exponencialmente as manifestações cujo lema subscreve a necessidade de criação de empregos para os jovens. Estes reclamam todos os dias de forma inteligente dos seus direitos coactados pelos auxiliares do titular do poder executivo.
Temos que admitir que os Liceus surgiram em Angola para colmatarem o défice de quadros qualificados de que se ressentia o País, com ausência dos colonialistas, em 1975. Estes, na sua retirada, levaram consigo os melhores técnicos angolanos. Esta perspectiva constituiu parte de uma política na altura bem pensada pelo Ministério da Educação-MED, da qual colheram-se frutos saborosos e bastante suculentos. Para o contexto actual, já não faz sentido a sua existência em todos os municípios.
O percurso histórico do surgimento dos Liceus encontra bases de sustentação na LBSEE nº13/01 e na LBSEE n.º17/16. Estruturalmente, os liceus apresentavam um programa de apenas dois anos, facto que permitiu a preparação dos alunos para ingresso, a curto prazo, nas universidades dentro e fora do País. Alguns escritos do Professor William Tonet abriram espaço para o reconhecimento do Ex-Puniv central ( Puniv-Ingombotas), pois este sempre foi o marco referencial. Neste histórico ficou registado o ex-Liceu Salvador Correia (actualmente Escola de Formação de Professores Mutu-ya-kevela). Para muitos, foi o período mais alto das políticas de ensino em Angola.
A grande sustentação lógica deste período encontrou suporte porque, naquele período, existiam poucos quadros formados comparado com o actual período. Era visível a motivação e a satisfação profissional dos agentes envolvidos.
Naquele tempo, colocava-se o interesse colectivo acima de tudo. Certamente, ensaiava-se o patriotismo, a honestidade, a sinceridade, a benevolência e os modus vivendis e operandis a fim de massificar a produção social. Depois de muito tempo, tudo mudou e o tempo registou o período mais conturbado, pois se verificou uma grande confusão planificada. O «homem legitimou a era do consumismo camuflado numa economia de mercado sem regras, despido da ética e moral».
Não é possível apagar os esforços empreendidos pelos bravos professores, não é possível esquecer os artífices da política de surgimento dos Liceus e os promotores da privatização do ensino em Angola. Hoje, a consciência recebe todos os dias sinais de alarme para recordar esses bravos guerrilheiros. Somos tentados a recordar todos apêndices que perpetuaram os seus ideais. No passado, os Liceus tinham como escopo o aumento de números de quadros e profissionais para atender os desafios do governo e a construção das linhas de desenvolvimento do País. Naquela época, o «aprender a fazer» não pressupunha obrigatoriamente num objecto de reflexão teórica e prática. O presente contexto impõe grandes desafios, pelo facto de estarmos a viver a quarta revolução.
Ela exige experiências práticas e objectivas. Ela deve ser proporcional aos desafios de governo e respostas imediatas dos problemas de desemprego dos jovens, isso significa que as escolas devem organizar os seus programas educacionais, seus projectos políticos pedagógicos, redefinir os métodos de gestão e projectos de formação a fim de responderem as políticas de empregabilidade.
Em Luanda assim como em outras províncias, existem zonas em que os habitantes sentem a inutilidade dos liceus, os pais e encarregados de educação dizem que as instituições não respondem as necessidades de formação dos jovens. Evocam a falta de exequibilidade e incoerência prática dos seus filhos, tão logo terminam o ensino médio.
Os jovens que vivem nas zonas suburbanas, urbanas e rurais, muitas vezes, por falta de condições assim como da falta de oportunidade, terminam o ensino médio e ficam atrás do emprego. Se olharmos para os seus perfis de saída, verificaremos, de imediato, que os mesmos não possuem tecnicamente capacidades de ocupar uma vaga de trabalho, salvo erro em casos excepcionais. Isso acontece porque os seus currículos não abrem possibilidades de se adequarem tecnicamente a uma especialização que lhe de habilitações.
Por ser uma formação de continuidade, há uma necessidade do mesmo fazer obrigatoriamente o ensino superior para a sua especialização e posteriormente procurar um emprego que dará conforto e segurança no tralho. A olharmos para essa problemática, é unânime afirmar que o elevado número de jovens sem emprego é fruto da falta de políticas de formação técnica. Certamente, em algumas regiões, os jovens sofrem por falta de emprego, tudo porque o governo não apresenta políticas directivas para a formação técnica dos mesmos.
O elevado número de Liceus é um dos maiores instrumentos de massificação do desemprenho em Angola. Para corrigir tal problemática é recomendável que o Ministério da educação encontre alternativas de transformar alguns Liceus em Institutos Médios Politécnicos, a fim de garantir aos jovens uma formação digna e que lhes possa dar condições de criação do seu próprio negócio e, com isso, permitir a empregabilidade dos outros jovens.
Não faz sentido o governo autorizar a construção de escolas com objectivo de Ministrarem cursos de ciências físicas e biológicas, Economico-jurídicas e Ciências Humanas numa era de desemprego em massa. A resolução deste problema deve passar pela reforma obrigatória deste programa de formação. Em algumas regiões de Angola, a criação de escolas com designação de Liceus não faz qualquer sentido político e pedagógico, pois esse sentimento de massificação de ensino só agudiza ainda mais os problemas de governação. Em Luanda, com particular realce nos Municípios de Icolo e Bengo e Quiçama, questiona-se bastante a falta de Institutos agrários e institutos Políticos uma vez que as políticas do governo estão viradas para o alavanque da agricultura e criação de indústrias transformadoras.
Do ponto de vista prático, não conseguiremos combater o desemprego se continuarmos com essa política de formação. No olhar miopio de quem escreve, o Ministério da educação peca bastante com a inauguração dos Liceus, numa era de desemprego desenfreado em Angola. Nós precisamos de instituições que formam para vida (aprender a fazer). Se revisarmos as estatísticas apresentadas nos finais de cada ano lectivo em Luanda, constataremos que os Liceus têm colocado no mercado um elevado números de jovens. Estes, por falta de profissão renegada pela falta de condições financeiras e a falta de oportunidade, optam pelos maus caminhos. Muitos deles tendem a enveredar no mundo da delinquência, uso de drogas, bebidas alcoólicas e outros. Esta condição resulta de uma tentativa frustrada da procura de emprego.
A situação geográfica do Icolo e Bengo e Quiçama convida qualquer analista a olhar obrigatoriamente nas condições de vida dos munícipes. Se buscarmos o concreto, verificaremos que existe pouca margem dos jovens pensarem em continuar com os estudos, depois de terminarem o ensino médio. Tudo porque as universidades, em Luanda, estão concentrados nos centros da cidade e distam cerca de 80 a 160 km e, por outra, a falta de transportes públicos tem condicionado os jovens a ingressar nas universidades. Ademais, o elevado custo de vida e a falta de emprego têm sido umas das dificuldades dos jovens que terminam o Liceu, sem esquecer a falta de estratégia política de jovem para jovem.
Para o Icolo e Bengo e Quiçama, não se entende o porque da inexistência de um Instituto Médio Agrário e um instituto Médio Politécnico, visto que são umas das regiões fortemente agrícolas e potencialmente industrializadas, pois os municípios garantem condições de estágios e empregabilidade dos jovens que estiverem naquela condição de formação. São municípios de oportunidades e de investimento.
Os munícipes encontram-se agastados, porque registam presenças de jovens que vêm de outros municípios e de outras províncias para solicitarem estágios nas empresas locais, muitos deles têm tido oportunidades de receber o seu primeiro emprego após o estágio. Mas os jovens locais, quando solicitam emprego, são negados por falta de competências técnicas (contra censo, para isso as Direcções Provinciais, Administrações Municipais, em particular as direcções municipais de educação, devem gizar políticas para contrapor os efeitos drástico desta situação que tem vindo anular a verdadeira missão da escola).
Em 2019, na vigência do Ex-Director Municipal de Educação do Icolo e Bengo, Doutor Afonso Nkuansambu, levamos a cabo um projecto político pedagógico, cuja coordenação foi encabeçada por ele, com apoio de alguns Directores de Escola. O projecto tinha como objectivo a transformação do Liceu n.º 6075 km em um Instituto Politécnico. Tal proposta surgiu no sentido de responder o grito dos pais e encarregados de educação, das autoridades tradicionais e religiosas que sentiam, na primeira, linha a inutilidade das Escolas do 2.ºciclo do ensino secundário no município. Estes pedem urgentemente de, pelo menos, uma escola técnica de formação. Muitos deles vêem seus filhos a sofrerem com a falta de emprego, negados nas empresas por não possuírem uma formação que lhes habilite a exercer uma profissão.
Muitos deles alegavam não haver condições de custear a formação superior dos filhos. Por ser gritante, aquela entendida reuniu os técnicos para elaborem alguns projectos com vista a colmatar tal problema. Os projectos já estavam bem estruturados e só careciam do parecer favorável do Gabinete Provincial de Educação de Luanda e do Ministério da Educação- GPEL/MED.
Por outra, o Icolo e Bengo concentra uma das maiores regiões agrícolas de Luanda. Ele possui um dos maiores Projectos Agrícolas fortemente investido com material de ponta e de qualidade. Por essa razão, o antigo responsável da educação entendeu ser oportuno aproveitar as estruturas existentes dentro do projecto para que o mesmo fosse útil para formar os futuros engenheiros agrónomos. Os projectos já tinham alinhamentos da sua força de trabalho. Todo esforço empreendido consistia na necessidade de reduzir o sofrimento dos jovens que não se reviam nos cursos ministrados nos Liceus, porém faltam escolas que podem responder os reais desafios dos jovens estudantes; então, são obrigados a frequentar o Liceu, como forma de auto ocupação.
Quando os jovens tomaram conhecimento da existência daquele projecto, era visível, nos seus olhares, a esperança do seu futuro que se encontrava incerto. Este sonho ficou adormecido nos projectos impressos e que aguardam pelas suas materialização, tão logo os gestores despertarem da sua verdadeira missão de estado.