HABEAS CORPUS. Uma opinião do advogado Pedro Pais

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OPINIÃO

Pedro Pedro/Advogado


A liberdade que desagarra da ordem é crime; a autoridade que se depreende da Ordem é arbítrio.

É garantia tradicional e acautelada desde os anos 1679 pela magna Carta de Billd. O habeas corpus constitui a mais ampla garantia do direito à liberdade, pois o Estado Angolano reconhece como invioláveis os direitos e liberdades fundamentais consagrados e cria as condições políticas, económicas, sociais, culturais, de paz e estabilidade que garantam a sua efectivação e protecção, nos termos da Constituição e da lei. E, todas as autoridades públicas têm o dever de respeitar e de garantir o livre exercício dos direitos e das liberdades fundamentais e o cumprimento dos deveres constitucionais e legais, ex vi do n.º 1 e 2 do art.º 56.º da CRA.

Sempre que qualquer pessoa física seja privada dos direitos acima elencados têm o direito à providência de habeas corpus contra o abuso de poder, em virtude de prisão ou detenção ilegal, a impetrar perante Tribunal competente, nos termos do n.º 1 do art.º 68.º da CRA.

Em termos gerais a providência de habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer pessoa no gozo dos seus direitos políticos, tal como reza o n.º 2 do art.º 68.º da CRA.

O habeas corpus é uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido, e que visa reagir de modo imediato e urgente contra o abuso de poder em virtude de detenção ou prisão, efectiva e actual, ferida de ilegalidade, por qualquer dos fundamentos do n.º 4 do art.º 290.º do CPP.

Podemos impetrar habeas corpus para remover ou libertar a pessoa que viu a sua liberdade privada por abuso de poder, por conseguinte, detida ou presa ilegalmente, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 290.º do CPP.

Quem deve decidir no actual contexto a providência extraordinária de habeas corpus?

Com a nova organização judiciária angolana e com a designação de Tribunais Judiciais, e com competência de administrar a justiça em nome do povo angolano, nos termos do art. 2.º da Lei n.º 29/22, de 29 de Agosto, conjugado com o art.º 174.º da CRA.

É sobejamente sabido por todos que a função jurisdicional comum em Angola é exercida pelo Tribunal Supremo, Relações e Comarcas.

Ao navegar no regime jurídico angolano vê-se que ficou mais difícil responder a questão acima colocada, pois além da organização dos turnos para atender casos urgentes, isto é, em todas às instâncias, mas temos dentro de uma circunscrição territorial várias comarcas e tendo um Juiz Presidente da Comissão Provincial de Coordenação Judicial, pois coopera com os Juízes Presidentes dos Tribunais de Comarca e organizam os turnos para assegurarem os serviços urgentes durantes as férias judiciais, nos termos do n.º 3. do art.º 9.º da Lei 2/15 de 2 de Fevereiro.

No actual contexto quem deve decidir o habeas corpus são os Juízes Presidentes de cada Comarca, ou seja, Juízes Presidentes das Comarcas, quanto a jurisdição, não dependem do Juiz Presidente Coordenador, pois estes são independentes, mas levanta-se a questão dos tribunais de comarca com apenas um juiz – neste caso, salvo melhor opinião deve conhecer e decidir o Juiz Presidente da Comissão Provincial de Coordenação Judicial.

Deve decidir a petição de habeas corpus o Juiz Presidente do Tribunal competente para apreciação dos factos criminais que são imputados ao detido ou preso, nos termos do n.º 3 do art.º 290.º do CPP, o que não constitui dúvidas.

Constata-se situações que a violação e fundamento do habeas corpus foram desencadeados na 2ª ou 3ª Instância; ainda assim o tribunal competente é o de primeira instância?

Entendemos que, quando o processo estiver fora da primeira instância, este tribunal deixa de ser competente para decidir o habeas corpus, uma vez que o processo vai ser reapreciado.

Outra questão não menos importante, onde remeter a petição quando o processo estiver fora da comarca de origem, se quiser a quo?

Querendo fazer justiça em prazo razoável, a resposta é simples, o requerimento deve ser remetido no gabinete do Juiz Presidente onde o processo se encontra e os factos criminais imputados ao arguido vão ser revistos, nos termos do n.º 3 do art.º 290.º do CPP.

A providência de habeas corpus pode ser requerida desde que se viole os seguintes requisitos taxativos e não cumulativos:

  • Ser a prisão ou detenção efectuada sem mandado da autoridade competente;
  • Estar excedido o prazo para entrega do arguido detido ou preso preventivamente ao magistrado competente para validação da detenção ou prisão preventiva;
  • Manter-se a privação da liberdade para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial;
  • Manter-se a privação da liberdade ordenada ou efectuada por entidade incompetente;
  • Haver violação dos pressupostos e das condições da aplicação da prisão preventiva, tal como cristaliza o n.º o 4 do art.º 290.º do CPP.
  • Esta deve ser apresentada em duplicados entregues na secretaria do Juiz Presidente, onde se encontra o processo; identificar o detido, quem ordenou, data da captura, hora e local, motivos da detenção ou prisão e fundamentos da ilegalidade da detenção ou prisão, nos termos dos ns.º 5, 6 e 7 do art.º 290.º do CPP.

Como proceder para apreciar o Habeas Corpus:

É autuado o requerimento original e seguidamente, requerendo aplicar a lei e consagrar o Estado de direito;

Ordena-se por telemóvel ou via mais rápida à autoridade, agente da autoridade ou entidade pública que tiver o detido à sua guarda ou disposição para, sob pena de desobediência qualificada, lho apresentar imediatamente.

Envia-se, em menos de 24 horas o duplicado requerimento a quem privou a liberdade do detido ou preso e informa-se por escrito, no máximo de 48 horas, em que circunstâncias a prisão foi efectuada em que se mantém. Ademais, este pedido pode ser feito por meio de comunicação.

Se o Juiz não tiver elementos suficientes para decidir, pode convocar o MP e o Advogado, para uma sessão de esclarecimentos e informações com o objectivo de colher os elementos necessários à decisão sobre o pedido formulado pelo requerente, o que, em Angola nunca aconteceu.

Caso não se verificarem os requisitos do n.º 4 do art.º 290.º do CPP, o juiz indefere o pedido, declara lega a prisão e se um indeferimento for por manifesta falta de fundamento, deve condenar o requerente em multa a fixar entre 50 a 400 UCF.

O busílis da providência de Habeas Corpus, prazo para decisão.

O prazo legal é de cinco dias e temos verificado uma eternidade e muitas questões se levantam, 5 (cinco) dias são razoáveis, são suficientes? São mais que suficientes, pois os meios para obter a informação adicional ao requerimento não levam uma hora, um simples telefonema, deslocação as esquadras e SIC não levam 24 horas, cinco páginas podem ser copiadas ou digitalizadas e enviadas a secretaria do decisor.

Mas, como não nos colocamos na condição de detido ou preso, não lidamos directamente com a angústia de ter um filho preso, achamos que o tempo é insignificante.

Também não pode ser verdade que os Advogados lançam mão ao Habeas Corpus sem observarem os requisitos legais.

Quem decidiu ser guardião das liberdades e garantias dos cidadãos não pode ficar uma eternidade para decidir um Habeas Corpus, hoje a tecnologia permite obter a informação em tempo record, querendo.

No mais, no Habeas Corpus não se deve apreciar a culpa ou não do agente, mas os requisitos legais da detenção e prisão preventiva.

Hoje por hoje não se deve manifestar a antiga ladainha “a prisão é ilegal, mas a mantenho”.

O Juiz de Garantias, o Juiz Presidente decisor, não se podem vincular a promoção do MP, sob pena de serem solidários da ilegalidade, ou seja, temos de olvidar que, se o MP, suposto meu colega remete o processo para o Juiz de Garantias é sinonimo de prisão. Os Juízes e procuradores têm autonomia funcional e não podem ser solidários nas suas apreciações dos factos, o que se verifica em Angola, segundo o princípio da solidariedade magistral, segundo Pedro Pais.

Portanto, o habeas corpus é o meio idóneo para libertar qualquer pessoa física que esteja detida ou presa ilegal, num prazo não superior a cinco dias. Quem não consegue despachar neste prazo tem de rever a sua condição ou ficar trinta dias no estabelecimento prisional e aferir se 5 dias sejam mesmos poucos; a injustiça, ilegalidade não pode ser temporizada. Assim,

O habeas corpus é uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido, e que visa reagir de modo imediato e urgente contra o abuso de poder em virtude de detenção ou prisão, efectiva e actual, ferida de ilegalidade, por qualquer dos fundamentos do n.º 4 do art.º 290.º do CPP.

No CPP o Habeas Corpus está regulado no título VII, Capítulo I, do artigo 290.º a 298.º do CPP.

Temos que ser responsáveis ao lidar com direitos e liberdades dos outros, é possível mitigar o fluxo de processos e não se justifica violação da lei, quem acha que a lei deve ser violada não serve para servir.

FICHA TÉCNICA

Pedro Pais, Advogado, inscrito na OAA com a cédula n. 1.538, Domiciliado no Conselho Provincial do Huambo, sócio fundador da Sociedade de Advogados, Pedro Pais & Advogados, RL; licenciado e mestrando em Direito pela faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto.

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