CASO IURD: Insuficiência de provas pode levar a ala brasileira ganhar a causa e absolver os arguidos

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Os juízes do Tribunal Dona Ana Joaquina, poderá dar a razão aos arguidos no processo do caso IURD por causa de insuficiência de provas dos crimes ligados ao desvio de dinheiro, branqueamento de capitais, falsa promessas assim como o caso de vasectomia.


Por Afonso Eduardo

De acordo com uma nota a que o Factos Diários teve acesso, os Advogados de defesa da ala brasileira estão confiantes que os arguidos poderão ser absolvidos da prática dos crimes pelos quais vêm acusados, por não ter sido produzida qualquer prova contra os mesmos e isso poderá fazer com o que os representantes da IURD, liderado por Bispo Alberto Segunda venham ganhar a causa.

Durante o julgamento, esclarece a nota de defesa, os ofendidos estão a negar tudo quanto consta da Acusação, assumindo que não foram forçados a doar os seus bens e os outros supostos crimes também estão com datas fora do prazo.

Ler mais a nota da defesa sobre o caso Igreja Universal do Reino de Deus

E esta necessidade é tanto maior porquanto, e com o maior respeito por este Tribunal, o caminho até aqui tem sido, no mínimo, atribulado. Os atropelos aos direitos de defesa dos arguidos foram muitos e muito graves, mas deixamos essas questões, já devidamente colocadas em várias fóruns e instâncias, para os Tribunais superiores e, eventualmente, outras instituições se pronunciarem. 

Falou-se aqui da existência de grupos de príncipes, da venda de bens doados, de metas financeiras nas Igrejas, e de muitas outras coisas. O que se pergunta é: Onde é que constam esses factos articulados na Acusação?  Qual a relevância desses factos do ponto de vista criminal?

A acusação propôs-se, assim, demonstrar que os Arguidos teriam praticado um conjunto de factos entre os anos de 1992 e 2019. E percorrendo a acusação, propôs-se demonstrar o seguinte:

  • Que a liderança ordenava os pastores a que influenciassem os fiéis a contribuir e doar o máximo possível;
  • Que a IURD fixava um tecto financeiro para cada Igreja e cada Pastor;
  • Que a liderança desqualificava e humilhava os pastores que não alcançassem os sobreditos tectos;
  • Que a IURD explorava os fiéis para contribuírem nas fogueiras santas;
  • Que a IURD convertia os valores recebidos em divisas;
  • Que a IURD expatriava as divisas para a Sede Mundial no Brasil, através de caravanas missionárias, entre 2004 e 2018;
  • Que a liderança persuadia os fiéis a fazer doações, designadamente Estrela Salussinga e Nuno Marian Graciano;
  • Que a liderança se desfez de todos os imóveis doados pelos fiéis;
  • Que os Arguidos, e seus antecessores, celebravam contratos com preços sobrefacturados, para transferir dinheiro para o exterior do país;
  • Que a liderança da IURD, inicialmente, procurou influenciar os pastores angolanos a submeterem-se à cirurgia de vasectomia;
  • Que a liderança da IURD determinou que os pastores angolanos fossem obrigados, sob coacção, a fazer a cirurgia de vasectomia.

Independentemente de tudo quanto se veio, ou não, a demonstrar nos presentes autos, como veremos a seguir, a Acusação estaria sempre vetada ao insucesso, de forma irremediável e insanável. É que o Ministério Público imputou as condutas acima descritas não aos Arguidos individualmente considerados, mas a uma entidade difusa, invocada ora sob o conceito de IURD, ora sob o conceito de liderança. Porém, em processo penal, a autoria é um elemento essencial da imputação. Ao ter este Tribunal decidido avançar para a fase de julgamento com uma Acusação deduzida nos termos em que o foi, sem ter feito o correcto saneamento do processo, inviabilizou definitivamente qualquer juízo de condenação, pois que uma alteração da autoria, neste momento, imputando aos Arguidos crimes pelos quais os mesmos não vinham ab initio acusados (porque, como acima descrito, os crimes foram verdadeiramente imputados a uma pessoa colectiva e não aos Arguidos individualmente considerados), representaria uma alteração substancial dos factos, proibida por lei, como resulta do disposto nos artigos 346.º n.º 7 e 407.º n.º 1 e n.º 2 do Código de Processo Penal.

Por conseguinte, deverá ser declarada a absolvição dos Arguidos, por falta de Acusação que o fundamente.

Em todo o caso, e por cautela de patrocínio, a Defesa vai ainda, num esforço abstracto de factos, desconstruir aquela que é a tese da Acusação. É que mesmo que se assumisse que, onde se lê “liderança” ou “IURD” devia ler-se “os Arguidos Honorilton Gonçalves e Belo Kifua”, a verdade é que a Acusação falhou redondamente na sua pretensão, porque não foi produzida prova directa contra os Arguidos.

Comecemos pelo período temporal. O Ministério Público deduz uma Acusação contra os Arguidos pela prática dos factos acima descritos durante o período de 1992 a 2019. Problema? Nenhuma das testemunhas que aqui prestou o seu depoimento colocou o Arguido Belo Kifua em Angola antes de 2014 ou o Arguido Honorilton Gonçalves em Angola antes de 2019. Pelo que, fica desde já reduzido o espectro temporal dos presentes autos, sendo irrelevantes os factos descritos que hajam sido praticados antes daqueles momentos

Mas o problema maior do Ministério Público é outro: é que nenhuma das testemunhas que aqui prestou o seu depoimento conseguiu produzir prova directa contra os aqui Arguidos em relação aos factos que vêm descritos na Acusação.

Não pode a Defesa dos Arguidos, ainda em termos genéricos, deixar de apontar várias incongruências na prova da Acusação, genericamente considerada. Vejamos:

Há depoimentos que se repetem quase ipsis verbis. Veja-se, por exemplo, na Acta da sessão de 13.01.2022, onde se lê, no depoimento de Felner Batalha, o seguinte:

 “Perguntado qual era a finalidade da exportação as receitas para outros países? Respondeu que a eles referindo-se aos pastores liderados eram informados que o dinheiro era para ajudar a obra de Deus em outros países. Perguntado se na prática era isso que acontecia? Respondeu que há da sua parte uma dúvida sobre o destino real que era dado ao dinheiro exportado para outros países pelo que, não pode afirmar que a totalidade do dinheiro era investida na obra na medida que o líder máximo da igreja universal referindo ao bispo Edir Macedo a dado momento foi fazendo investimentos de avultado valor financeiro. Perguntado se tem noção de como a igreja retirava o dinheiro do território angolano para o exterior?

 Respondeu afirmativamente em relação a dois episódios que ocorreram nos anos de 2015 e 2016 onde saiu uma caravana de Angola para Israel com um número aproximadamente 300 pessoas e a seguir uma caravana de Angola para São Paulo com um número que rondava em torno de 200 pessoas (…).”

 Haveria mais para ler, mas centremo-nos neste excerto. Agora vejamos na Acta da sessão de 14.01.2022, o depoimento de João Bartolomeu: “Perguntado qual era a finalidade da exportação as receitas para outros países? Respondeu que a eles referindo-se aos pastores liderados eram informados que o dinheiro era para ajudar a obra de Deus em outros países. Perguntado se na prática era isso que acontecia? Respondeu que há da sua parte uma dúvida sobre o destino real que era dado ao dinheiro exportado para outros países pelo que, não pode afirmar que a totalidade do dinheiro era investida na obra na medida que o líder máximo da igreja universal referindo ao bispo Edir Macedo a dado momento foi fazendo investimentos de avultado valor financeiro. Perguntado se tem noção de como a igreja retirava o dinheiro do território angolano para o exterior? Respondeu afirmativamente em relação a dois episódios que ocorreram nos anos de 2015 e 2016 onde saiu uma caravana de Angola para Israel com um número aproximadamente 300 pessoas e a seguir uma caravana de Angola para São Paulo com um número que rondava em torno de 200 pessoas (…).”.

Veja-se que as testemunhas repetem, inequivocamente, o seu depoimento sobre os mesmos factos como se fossem, a final, o mesmo declarante. O que indicia, manifestamente, a concertação de depoimentos entre ambos.

Mas vários outros indícios de concertação entre os depoimentos dos ofendidos existem:

  • Veja-se, a título de exemplo, que até ao depoimento de Cremilda Domingos em julgamento, ouvido em 14.12.2021 (sendo este o primeiro depoimento de prova da Acusação), nenhum ofendido, nenhuma testemunha, nenhum declarante, em sede de instrução preparatória, havia referido, em momento algum, a palavra príncipe. E o que é certo é que após Cremilda as dizer, todos eles de repente resolveram incluí-la nos seus discursos e explicar o que seriam, a final, estes príncipes, na Igreja.
  • O mesmo até quanto à alegada liderança espiritual do Bispo Honorilton Gonçalves em Angola previamente a Junho de 2019. Compulsados os autos de depoimento no decurso da fase de instrução preparatória, nenhuma testemunha se havia referido ao período de liderança espiritual do Bispo. Na sua peça de contestação, o Arguido demonstrou que só chegou a Angola, para assumir a qualidade de líder espiritual, em Junho de 2019. Perante a evidente ruptura da tese da Acusação, vieram depois as testemunhas, em julgamento, referir que afinal aquele teria já esse papel ainda quando em Moçambique, isto é, desde 2018. Isto quando, reitere-se, nenhum deles havia referido isso em instrução preparatória, e nenhum deles trouxe qualquer elemento concreto que permitisse confirmar esta sua nova teoria.
  • As testemunhas que prestaram depoimentos contraditórios em fase de instrução preparatória, referiram, todas elas, em julgamento, a mesma coisa: que o fizeram porque, no seu primeiro depoimento, estava presente o Bispo Itamar e os advogados da Igreja. Problema? Não só tal não corresponde à verdade, como, ademais, as circunstâncias, tempos e momentos dos seus depoimentos não foram os mesmos, pelo que não é crível a versão que vieram apresentar em julgamento.
  • Jimi António Inácio e Maurício Filipe procuraram, nos seus depoimentos, fazer crer que a cirurgia de vasectomia a que o primeiro se havia submetido havia sido já feita no período de liderança espiritual de Honorilton Gonçalves. Todavia, Jimi Inácio refere, expressamente, que nesse momento, a liderança da IURD Angola era do Bispo Carlos Alberto. Procura, depois, construir uma narrativa de que o Bispo Carlos Alberto havia sido mandatado pelo Bispo Honorilton, mas fá-lo sem qualquer suporte factual ou probatório. Maurício Filipe, por sua vez, diz ter recebido a instrução do próprio Bispo Honorilton. Ora, salvo o devido respeito, bem se vê que as próprias testemunhas não se conseguem sequer organizar no ataque que direccionam ao Arguido Honorilton Gonçalves. E porquê? Por que bem sabem que é mentira que o Bispo Honorilton Gonçalves fosse, à data, responsável pela IURD Angola e, ainda para mais, pela supervisão das vasectomias realizadas pelos pastores daquela Igreja.

Além destes evidentes indícios de concertação, existem testemunhas que, pura e simplesmente, cometeram perjúrio em Tribunal. Vejamos alguns exemplos:

  • Valente Bizerra Luís, ouvido em 13.01.2022, referiu ter sido coagido a fazer vasectomia em 1999. Todavia, a mesma testemunha tinha já referido em vários outros momentos que tinha feito vasectomia por sua própria decisão e escolha, livre e espontâneas, porque pretendia dedicar-se à Igreja e queria ascender na estrutura da mesma – disse-o quer em declarações prestadas em instrução preparatória (a fls. 144 e ss. dos autos), quer em entrevista concedida à TPA, e disponível em canal aberto na Internet.
  • João Bartolomeu referiu, nas suas declarações, em 14.01.2022, que nunca havia ameaçado nenhum dos Arguidos. Contudo, como resulta de um vídeo publicado nas suas redes sociais, em fonte aberta, a testemunha publicou um vídeo incitando o ódio contra o Bispo Honorilton, ofendendo-o e ameaçando-o [vídeo que foi junto pela Defesa em 19.01.2022, tendo o Tribunal recusado admitir a sua visualização em audiência]. Este vídeo releva não só para constatar que a testemunha mentiu em Tribunal, como ademais, e porque a sua conduta pública não pode ser dissociada da sua conduta processual, revela a manifesta parcialidade do depoimento da mencionada testemunha, e intenção de prejudicar o Arguido.
  • O mesmo João Bartolomeu referiu que não teria cometido adultério, quando existem duas actas – uma de 2009 e uma de 2018 – juntas aos autos pela Defesa em 19.01.2022, de onde resulta claramente o cometimento reiterado do mencionado acto, que culminou no afastamento da testemunha da Igreja.
  • Tiago Paulo, ouvido na sessão de 19.01.2022, referiu que teria sido coagido a fazer o seu primeiro depoimento no SIC, pelo Bispo Itamar e pelo Pastor Marcos, e que aquele primeiro teria estado durante todo o tempo da inquirição a acompanhá-lo. Sucede, porém, que compulsado o auto de inquirição da testemunha, a fls. 86 e 87 dos autos, resulta que no momento da sua inquirição estavam presentes apenas (i) o Exmo. Senhor Superintendente Noé da Rosa Manuel Martins, Chefe de Departamento de Operações, (ii) João Calunga, Instrutor Processual, e (iii) Tiago Paulo, a testemunha.
  • Mónica Micole António, ouvida na sessão de 20.01.2022, referiu que quem assinava os contratos relacionados à execução de obras, por parte da Igreja, era o líder espiritual. Contudo, repare-se que não existe um único contrato junto aos autos pela Acusação, encontrando-se apenas junto uma adenda a um contrato com a Noráfrica, assinada, como é evidente, pelo Presidente do Conselho de Direcção e não pelo Líder Espiritual, conforme Documento n.º 19 junto com a Contestação; ademais, acrescente-se, também quanto aos imóveis, os mesmos eram assinados pelo Presidente do Conselho de Direcção, como resulta, p. ex. dos contratos juntos a fls. 1885-1891, 1904-1907, 2067-2077 e também, por exemplo, Sténio de Andrade, ouvido em 28.01.2022, e subscrevendo o teor das declarações por si prestadas em instrução preparatória, referiu que adquiriu um imóvel, estando o contrato, do lado da IURD, assinado por António Pedro Correia da Silva, à data, Presidente do Conselho de Direcção.

Cumpre ainda referir que existem ainda sinais evidentes de contradições e incongruências entre os depoimentos das várias testemunhas, que terão que afectar, inequivocamente, a credibilidade dos seus depoimentos:

  • As testemunhas Valente Bizerra Luís, João Bartolomeu e Felner Batalha procuraram fazer passar uma ideia de que, no momento em que exerceram funções nos Conselhos de Direcção respectivos, que não tinham, na verdade, qualquer função, porque todas elas estavam acometidas ao líder espiritual. No entanto, não só uma tal versão é contrariada pela prova documental constante dos autos – veja-se, a propósito, a Acta n.º 28 da Assembleia Geral Ordinária da IURD de 06.06.2019 a fls. 544 dos autos, a Acta de 19.01.2009, junta pela Defesa em requerimento de 19.01.2022 –, como, ademais, as próprias testemunhas da Acusação identificavam aqueles três indivíduos como líderes da Igreja (veja-se, por exemplo, o depoimento da testemunha Jimi António Inácio em 12.01.2022, Tiago Paulo em 19.01.2022, Alfredo Ngola Faustino em 20.01.2022 – que refere, inclusive, que Valente Bizerra Luís era “o segundo do país” –, ou Rossana Teixeira em 26.01.2022).
  • Os mesmos Valente Bizerra Luís e Felner Batalha procuraram também desresponsabilizar-se a todo o custo dos actos que haviam sido praticados enquanto aqueles eram representantes da Igreja, mas a verdade é que foram ouvidos, em julgamento, vários depoimentos que os incriminam directamente (veja-se o exemplo dos depoimentos de Alfredo Ngola Faustino, Sebastião Lázaro, David Faustino, Olivo Ndemufufina, Valdemar Pinto Luís, Kaddafi Alfredo, ou Bartolomeu Bango).
  • Maurício Filipe referiu ser, de alguma forma, responsável pelo acompanhamento dos pastores que decidiam realizar o procedimento cirúrgico de vasectomia. Todavia, perguntado pela Defesa dos Arguidos se sabia se existiam pastores angolanos que houvessem optado por não fazer a vasectomia, disse que não sabia. Ora, se a testemunha tinha essas funções específicas e se, conhecendo o universo de pastores da IURD, sabe aqueles que “lhe passaram pelas mãos”, como pode afirmar que desconhece se existem pastores que não fizeram a vasectomia?
  • O mesmo Maurício Filipe disse que teriam passado pelo departamento da saúde alguns pastores orientados para fazer a cirurgia de vasectomia, e que aquele os aconselharia; todavia, Rossana Teixeira, ouvida em 26.01.2022, referiu que tal não teria acontecido.
  • Maurício Filipe referiu também que era ele quem fazia a ponte entre o departamento da saúde e o departamento financeiro quanto à deslocação dos pastores por razões médicas, o que foi claramente desmentido por Rossana Teixeira, que atestou que essas funções estavam reservadas à D. Clarisse.
  • Algumas testemunhas referiram que por não terem feito a vasectomia teriam sido despromovidas ou destituídas dos seus cargos, e que eram pressionadas ou coagidas para a realização de tal procedimento com a ameaça daquelas realidades. Porém, não só existem vários pastores e bispos que não realizaram a vasectomia e mantiveram os seus cargos ou foram até promovidos, como, inclusive, veja-se, p. ex., o depoimento de Madalena Manuel Eduardo, em 21.01.2022, que refere que o marido tendo-se recusado a ser submetido à cirurgia de vasectomia, não sofreu tipos de coacções porque já era pastor titular dentro da catedral. Ora, se assim é, qual é o racional das acusações dos ofendidos?
  • Yndira dos Santos Miúdo subscreveu, em tribunal, o teor das declarações por si prestadas em instrução preparatória, a fls. 409 e 410. Nessas declarações lê-se, nomeadamente o seguinte: “Que o Sr. Honorilton Gonçalves, sempre que uma caravana se desloca para o exterior do país, entrega um envelope a cada pastor”.

 Confrontada com este trecho em audiência de julgamento pela Defesa dos Arguidos, isto é, perguntada especificamente sobre quais foram, então, as caravanas em que o Bispo Honorilton alegadamente participou, a mesma respondeu que “não sabe dizer uma vez que não participou. Ou seja, a testemunha apontou o dedo ao Bispo Honorilton, insinuando que o mesmo teria intervenção nas caravanas, sem que nunca houvesse participado em qualquer caravana.

Donde resulta evidente que a testemunha mentiu no depoimento por si prestado em fase de instrução preparatória, e subscrito em audiência de julgamento.

  • O mesmo se diga quanto à testemunha Jesuína Fernando Rosário que, em Tribunal, referiu especificamente que determinadas passagens do seu depoimento de instrução preparatória, subscrito em audiência de julgamento, não correspondiam ao depoimento da mesma, desde logo, confirmando que nunca tinha dito que o Bispo Honorilton recebia o dinheiro das doações.
  • Nilton Ribeiro, tendo prestado declarações em audiência de julgamento no dia 26.01.2022, subscreveu o teor das suas declarações em instrução preparatória a fls. 270. Das referidas declarações, consta que o mesmo acusou o Bispo Honorilton de entregar envelopes aos pastores nas caravanas.

Todavia, quando perguntado se alguma vez havia feito parte de alguma caravana nos anos em que o Bispo Honorilton esteve em Angola, o mesmo respondeu que não. Bem se vê que as suas declarações iniciais eram forjadas e visadas a denegrir o nome do Bispo Honorilton, imputando-lhe factos de que a testemunha não tinha qualquer conhecimento e que, ademais, não correspondem à verdade.

  • Raimundo José João, ouvido em 26.01.2022, ao mesmo tempo que subscreve integralmente o teor das declarações por si prestadas a fls. 121 a 122 procura depois colocá-las em crise, não podendo, nessa medida, ser credibilizadas quaisquer das declarações por si prestadas.

Por último, como acima descrito, não pode deixar de ser renovada a manifesta falta de credibilidade das testemunhas arroladas pela Acusação, e aqui ouvidas em sede de julgamento. As testemunhas aqui ouvidas são dissidentes e, nessa medida, porque têm um objectivo claro e declarado de afastar, entre outros, os Arguidos da IURD Angola, necessariamente os seus depoimentos não são imparciais, mas antes parciais e de partes interessadas na causa.

Note-se, ainda, que algumas dessas testemunhas exerciam, inclusive, funções de chefia – esses sim – na IURD Angola à data da prática dos factos, pelo que, no limite, teriam, também elas, que ter sido constituídas arguidas nestes autos, e, não, ser testemunhas de factos que imputam a outros, procurando “salvar a sua própria pele”. De acordo com o princípio da presunção de inocência, impõe-se a este Tribunal cuidar de filtrar os factos descritos por estas testemunhas por uma leitura lícita alternativa dos factos, oferecida pelos Arguidos, pela prova por si carreada para os autos, e pela prova documental constante dos autos.

Para além das questões de credibilidade referidas, existe uma outra de admissibilidade/validade quanto ao depoimento concreto de Valente Bizerra Luís. Em 18.11.2019, o depoente foi constituído Arguido, por existirem indícios da prática, por aquele, dos crimes pelos quais foram os Arguidos acusados, designadamente, havendo notícia de que o mesmo teria forçado determinados pastores a realizar a cirurgia de vasectomia – que, de resto, foi reiterada neste julgamento também. Mas já lá iremos. Foi ouvido nessa qualidade, até que, surpreendentemente, e sem qualquer explicação se transformou numa testemunha, ao invés de Arguido, mesmo havendo prova directa contra ele. Nessa medida, o depoimento desta testemunha não poderá ser ouvido, constituindo uma proibição de prova.

Insuficiência de provas

Vamos, então, analisar, concretamente, os factos em causa nos autos e a falta de prova quanto aos aqui Arguidos, começando pelo processo principal, em que foi proferida Acusação contra os Arguidos Honorilton Gonçalves e Belo Kifua.

Diferentemente do que se procurou veicular neste julgamento, o Arguido Honorilton Gonçalves assumiu as funções de Presbítero Geral em Angola, no dia 22.07.2019, como resulta da Acta n.º 29 da Assembleia Geral da IURD Angola, junta como Documento n.º 1 com a Contestação. Nessa medida, apenas desde essa data, era o mesmo responsável pelos destinos espirituais da Igreja em Angola, não lhe podendo ser imputados quaisquer factos praticados antes desse momento, por impossibilidade legal.

Percebendo que esta realidade fazia soçobrar a legitimidade da Acusação contra o Arguido, criaram os Depoentes uma narrativa alternativa de que o Bispo Honorilton lideraria os destinos de Angola, logo a partir de Moçambique, procurando assim alargar o espectro dos factos que lhe seriam imputados e estendendo-os a partir de 2018. Porém, esta sua tese tem várias falhas: em primeiro lugar, nenhuma das testemunhas produziu prova directa quanto às alegadas funções do Bispo Honorilton em 2018;

em segundo lugar, a tese é também destruída pela prova documental que consta dos autos e de onde resulta, de forma expressa, que apenas a partir de Junho de 2019 Honorilton exerceria as funções de responsável pelos países lusófonos em África, isto é, no momento em que assumiu a liderança da IURD Angola (junto a fls. 194 dos autos);

em terceiro lugar, e mesmo aplicando as regras de experiência comum, o exercício de tais funções não fazia sentido, uma vez que como referiu a testemunha Valdemar Luís, ouvida em 28.01.2022, não fazia qualquer sentido ter o Bispo Honorilton a orientar reuniões por videoconferência para os pastores em Angola, quando estes, aqui, tinham o seu próprio líder espiritual, à data, o Bispo Carlos Alberto, sendo certo que essas reuniões são de resto relatadas nos autos como tendo sido conduzidas por Carlos Alberto e não por Honorilton (veja-se, a título de exemplo, a notícia do Club-k.net a fls. 21-23).

Em todo o caso, e dividindo os factos em causa em (i) doações, (ii) metas, (iii) caravanas, (iv) empreitadas e (v) vasectomias.

(i) nenhuma testemunha disse ter sido pressionada ou coagida directamente pelo Bispo Honorilton a fazer qualquer doação, (ii) nenhuma testemunha identificou Honorilton Gonçalves como tendo sido a pessoa concreta que estabeleceu as alegadas metas financeiras existentes nas Igrejas, (iii) das testemunhas que participaram em caravanas nenhuma delas identificou que Honorilton houvesse participado em qualquer uma delas ou entregue valores a qualquer pessoa, para além de que as caravanas referidas nos autos foram, todas elas, realizadas antes do período de liderança espiritual do Bispo Honorilton; (iv) uma única testemunha falou sobre a questão das empreitadas, não tendo, em momento algum, se referido ao Bispo Honorilton Gonçalves; e (v) perguntados sobre se haviam sido directamente pressionados por Honorilton para a realização do procedimento de vasectomia, também ninguém houve que houvesse respondido que sim.

E mesmo que o Tribunal se sentisse tentado a considerar que Honorilton Gonçalves, na qualidade de líder espiritual, teria uma responsabilidade difusa pelos factos em causa, sempre se dirá que essa lógica de responsabilização, em processo penal, está vetada ao insucesso, e por vários motivos. Em primeiro lugar, porque em processo penal, e por força do princípio da culpa, o Arguido apenas pode ser julgado e condenado por factos em que tenha tido directa intervenção e responsabilidade. Em segundo lugar, porque os factos descritos na Acusação nunca seriam responsabilidade da liderança espiritual da IURD, mas sim dos órgãos administrativos e, em última instância, da Direcção da Igreja.

As decisões de índole administrativa competiam ao Presidente do Conselho de Direcção e não ao Líder Espiritual, como resulta do Estatuto da IURD, junto como Documento n.º 3 com a Contestação, ou, por exemplo, do depoimento de Rossana Teixeira, ouvida em 26.01.2022.

Em terceiro lugar, porque ficou também demonstrado que mesmo quanto à liderança espiritual, a mesma não era da responsabilidade individual de Honorilton Gonçalves, uma vez que, como referiu João Bartolomeu, ouvido em 14.01.2022, “a IURD Angola subordinava-se à IURD Brasil, respondeu afirmativamente enfatizando que a subordinação era total”, o que também foi corroborado por Francisco Ernesto, ouvido em 20.01.2022, que referiu que o líder espiritual respondia ao Bispo Edir Macedo.

Perante tudo isto pergunta-se então: que elementos tem o Tribunal para condenar? Nenhum! O Tribunal não pode condenar uma pessoa porque simplesmente alguém ouviu dizer que… aliás, isso resulta claramente do disposto no artigo 157.º n.º 2 do Código de Processo Penal! Não há prova directa contra o Arguido, portanto apenas uma opção resta ao Tribunal: a absolvição!

O mesmo se diga quanto ao Arguido Belo Kifua! O Arguido está aqui pela única circunstância de o mesmo ter tido, nas suas funções, uma relação com o Departamento financeiro, sem que surja enunciado ou demonstrado um único facto ilícito praticado pelo mesmo. E, veja-se, isto quando outras pessoas que aqui vieram prestar o seu testemunho tiveram, também elas, funções financeiras, não estando, nenhuma delas, porém, sentada no banco dos Arguidos. Veja-se, a título de exemplo, que Felner Batalha referiu aqui expressamente em tribunal, no dia 13.01.2022, que fez parte do departamento financeiro da Igreja durante sete anos. E, no entanto, pretende o Tribunal credibilizar o depoimento desta testemunha, por um lado, e sentar Belo Kifua no banco dos Arguidos por outro. Em todo o caso, como referido, nenhuma testemunha

  • referiu que Belo Kifua houvesse obrigado alguém a fazer doações,
  •  que houvesse estabelecido metas financeiras,
  • que houvesse participado em caravanas, que não como mero participante, e não organizador ou pessoa que entregava/recolhia dinheiro,
  • que tivesse qualquer relação com as empreitadas, ou
  • que tivesse falado com alguém sobre o procedimento cirúrgico de vasectomia.

*

Para que dúvidas não existam quanto àquilo que aqui referimos, vejamos que prova foi produzida quanto a cada um dos temas de factos aqui em causa.

Quanto às doações:

As doações que eram feitas à IURD, quer nos cultos ditos tradicionais, quer na Fogueira Santa, eram feitos de forma livre e voluntária, de acordo com a fé de cada um. Não há nos autos quaisquer elementos que permitam comprovar que os Arguidos Honorilton Gonçalves e Belo Kifua hajam alguma vez pressionado ou coagido qualquer fiel a fazer doações, e, de forma mais lata, que qualquer doação tenha sido feita nesses termos.

Neste julgamento, o Bispo Honorilton, na audiência de dia 09.12.2021, referiu “que em nenhum momento a Igreja em Angola persuadiu as pessoas a fazerem doações”. Por outro lado, as testemunhas ouvidas, p. ex., Cremilda Domingos, Hélder Jorge, João Brito, Vitória do Nascimento, Óscar Chimibili, Kaddafi Alfredo ou Bartolomeu Bango, referiram, todas elas, que fizeram as doações porque quiseram, e não porque alguém os haja pressionado ou coagido.

Hélder Jorge, ouvido em 27.01.2022, referiu que fez diversas doações e que as fez motivado pela palavra de Deus, e que nunca se sentiu pressionado a fazer doações. Referiu ainda a testemunha, quando questionada sobre as alegadas promessas que os pastores faziam aos fiéis aquando das fogueiras santas e outros cultos, o seguinte: “pastor não tem condição de prometer nada, mas a palavra de Deus sim, para aquele que vive na fé sim, procuram em Deus essas promessas e não em pastores”.

Assim também o referiram João Brito e Vitória do Nascimento, ouvidos em 27.01.2022, secundando o facto de que as doações eram feitas de forma livre e espontânea, e na fé de cada um.

Também Óscar Chimbili, ouvido em 28.01.2022, referiu: “que fogueira santa é uma expressão de fé e que não se exige nada às pessoas em que as mesmas exercitam a sua fé”.

Kaddafi Alfredo, ouvido em 28.01.2022, perguntado se durante as fogueiras santas alguém obrigava a doar, “respondeu que não, ninguém era obrigado a doar”. Também assim referiu peremptoriamente Bartolomeu Bango, ouvido na mesma data, referindo que as orientações que tinham é que doavam quem quisesse.

Assim se comprova o que sempre disseram os Arguidos a respeito da questão das doações, isto é, que as doações efectuadas à Igreja são realizadas pelos fiéis no contexto da sua fé e espiritualidade, não sendo expectável uma contrapartida e muito menos a possibilidade de verificação dessa mesma contrapartida.

As doações de cariz religioso a instituições religiosas são exactamente isso, doações, estando na sua génese a fé e espiritualidade do crente doador que pretende contribuir para a instituição, e seguir os ensinamentos constantes da Bíblia, e não o ganho material ou pessoal de qualquer potencial contrapartida. Assim, os dízimos, ofertas, ou doações que são entregues aos Bispos e Pastores da IURD não pressupõem a realização de quaisquer contrapartidas como promessas ou bênçãos materiais ou tangíveis, mas antes no plano religioso e espiritual, limitando-se os fiéis e membros dessa confissão religiosa a fazê-lo de acordo com as suas possibilidades e vontade, e de acordo com aquilo a que se propõem como expressão da sua fé.

Isso é assim quer na IURD, quer na Igreja Católica, ou em tantas outras Igrejas que, à semelhança daquelas, vivem e sobrevivem pelas doações que são feitas pelos fiéis e pela manutenção e renovação das suas massas de fiéis.

Em cima de tudo isso, e mesmo que se possam registar casos de pastores transgressores que procuram, num espírito materialista, aumentar o número e valores das doações, a verdade é que ficou demonstrado que nenhum dos Arguidos coagiu, ameaçou ou pressionou qualquer pessoa a fazer doações, e que todas as que aqui mencionaram ter feito doações, disseram expressamente terem-no feito pela sua vontade e fé, pelo menos quando em relação aos Arguidos.

Nuno Marian Graciano, ouvido em 15.12.2021, que havia sido referido expressamente na Acusação como tendo sido vítima de pressões por parte da IURD para fazer doações, não enunciou um único facto concreto e objectivo quanto aos aqui Arguidos, e os poucos que ensaiou, pasme-se, haviam sido praticados num momento em que o Presidente do Conselho de Direcção era, nada mais nada menos do que o também alegadamente ofendido, Valente Bizerra Luís [veja-se o referido na Acta 15.12.2021].

Note-se que a sua versão dos eventos é tão credível, que o mesmo diz ter reconhecido que a Igreja era falsa em 2007, mas ainda assim, conseguiu nela permanecer até 2019 e fazer um conjunto avultado de doações.

Qual é o sentido que isto faz? Em todo o caso, quando perguntado directamente sobre quem o teria pressionado para fazer doações, o mesmo apenas apontou um nome: Pedro Garcia, pastor do movimento de dissidência. Diferentemente, quando confrontado com o facto de poder ter sido pressionado por Honorilton Gonçalves ou Belo Kifua, o mesmo atestou, de forma clara, que nenhum dos Arguidos o coagiu a fazer doações.

Veja-se que mesmo os defensores de que a IURD teria instituído formas de coacção dos fiéis para efectuarem doações, referiram, na verdade, que as grandes orientações que os pastores recebiam a respeito da obtenção de receitas financeiras, eram, afinal, as orientações que Deus abençoou Abraão por ter feito sacrifício, e que o mesmo aconteceria à pessoa que fizesse um sacrifício a Deus (isto dito por Valente Bizerra Luís em 13.01.2022).

Quer isto dizer, que, tal como os Arguidos bem referiram, o apelo à doação era feito tendo por base o Evangelho, e a liberdade e autonomia que o mesmo propicia, pelo que ninguém era obrigado a fazer doações, apenas o fazendo aqueles que, na fé, acreditavam ser importante doar e receber a bênção de Deus. E isto é, reitere-se, uma questão de fé que, com o devido respeito, não cabe a este Tribunal julgar, porque extravasa, manifestamente, as suas competências.

Ainda quanto ao tema das doações, foi também muito falado neste julgamento que a IURD teria procedido à venda dos bens que eram doados pelos fiéis. Uma vez mais cumpre perguntar: qual é a ilicitude ou ilegalidade de um tal comportamento? Como referido, as doações feitas nas Igrejas ou nas Fogueiras Santas, quer de valores monetários, quer de bens móveis ou imóveis, serviam, única e exclusivamente, para a realização da obra religiosa e social da Igreja, sendo a sua forma de financiamento.

Em sendo vendidos bens que foram doados por fiéis, o valor da venda é integralmente depositado na conta da Igreja e revertido, na totalidade, para a subsistência da Igreja (isto é, com o pagamento de despesas, de ajudas de custo, dos serviços necessários, etc.) e para a sua obra social.

Não foi produzida qualquer prova de que a venda dos bens em causa haja ocorrido de forma desconforme com a lei ou com o Estatuto da Igreja, pelo que também não se percebe onde pretendeu chegar a Acusação.

Quanto ao tema das alegadas metas financeiras que seriam impostas aos pastores:

Algumas das testemunhas da Acusação vieram aqui apresentar uma narrativa de que a Igreja imporia metas financeiras aos pastores e que quem não alcançasse essas metas seria destituído dos seus cargos e realocado numa Igreja mais humilde ou inferior (como alguns lhe chamaram). Sucede, porém, que esta narrativa não só não tem sentido, como, ademais, não foi demonstrada em relação aos Arguidos. Isto porque, todos aqueles que referiram existir metas disseram-no em termos genéricos, isto é, que existiriam metas a alcançar, fixadas pela Igreja. Mas quem é que as fixava? Em que moldes? Que metas concretas eram essas? Quantos pastores se viram transferidos por alegadamente não terem cumprido essas metas? Quem é que tomava essa decisão? Ninguém respondeu a estas questões. Mas mais: que relação têm os Arguidos com estas alegadas metas? Nenhuma! Isto porque nenhuma testemunha identificou os Arguidos como tendo sido as pessoas que as haviam estipulado, ou regulado ou executado.

Mas, uma vez mais por dever de patrocínio, indo mais longe, bem se vê que uma tal teoria não faria qualquer sentido. Havendo metas porque é que alguns teriam essas metas e outros não? É que veja-se que houve pastores da IURD que vieram aqui prestar o seu depoimento e que referiram especificamente não existiram metas – como referiu João Brito, ouvido em 27.01.2022 – ou não terem conhecimento das mesmas – como referiu Valdemar Luís, ouvido em 28.01.2022 – ou nunca terem sido orientados para atingir metas – como referiu Óscar Chimbili, ouvido em 28.01.2022.

Temos aqui já duas conclusões muito importantes: (i) os Arguidos não estabeleceram quaisquer metas financeiras e (ii) a Igreja não tinha um procedimento de estabelecimento de metas financeiras.

Mas acrescentamos um terceiro ponto: imaginando que existiam metas, ou, melhor dizendo, objectivos económicos a atingir, para manutenção de determinadas Igrejas, qual é a relevância criminal ínsita nesses factos?

Crê-se, ademais, que as testemunhas que aqui referiram a existência de metas financeiras queriam, na verdade, significar que os pastores titulares das Igrejas tinham noção dos objectivos económicos necessários à sobrevivência das suas próprias Igrejas, tendo em conta as despesas mensais que cada uma dessas Igrejas tinha. Isto é uma questão de planeamento financeiro e orçamento, que nada tem de criminoso ou de anormal.

Donde, a existir um estabelecimento de metas que não fosse este, apenas se poderá admitir que essas eram fixadas pelos próprios pastores, sendo vistas pela Igreja, e pela sua Direcção, como um desvio de conduta. Bartolomeu Bango, aqui ouvido em 28.01.2022, pronunciou-se nesse exacto sentido. De facto, e como referiu Kaddafi Alfredo, ouvido em 28.01.2022, tal conduta era vista como um desvio dos princípios da Igreja, até porque “a direcção da Igreja na pessoa do bispo Edir Macedo sempre orientava que devemos pregar e deixar a pessoa livre a fazer as suas doações” e, nessa medida, se a pessoa é livre para doar, então não faz sentido estabelecer qualquer meta aos pastores, porque não depende de si.

Note-se que o próprio Regulamento Interno da IURD, junto com a Contestação como Documento n.º 17, prevê que não existem metas ou penalidades relacionadas com o aumento ou a diminuição das ofertas ou dízimo recebidas pela Igreja.

Quanto ao tema das caravanas missionárias:

O Ministério Público criou ainda uma narrativa de que a IURD, através de um conjunto diverso de mecanismos, dissimularia valores que lhe eram entregues, exportando-os para o Brasil, e que o fazia, designadamente, através da conversão de kwanzas em divisas e da realização de caravanas missionárias, para exportação dessas mesmas divisas.

Quanto à conversão de kwanzas não foi feita qualquer prova nestes autos de que a mesma se realizasse, em que termos, por quem, em que datas. Nada. Diferentemente, foi pelos Arguidos produzida prova que permite infirmar aquela tese do Ministério Público. Demonstraram os Arguidos que todos os valores entregues aos Pastores nas Igrejas das províncias eram depositados, semanalmente, no banco mais próximo, nas províncias, nas contas tituladas pela IURD, juntando, para o efeito, talões comprovativos juntos com a Contestação como Documentos n.º 7 a 16.

Por seu turno, quanto à existência de caravanas missionárias, as únicas caravanas que a IURD conhece são as viagens de cariz religioso que a Igreja organiza para que os seus pastores, bispos e respectivas famílias possam deslocar-se a locais de interesse religioso, em peregrinação.

Porém, segundo o Ministério Público, as peregrinações eram, de alguma forma, uma fachada para transporte de valores, de forma ilícita, de Angola para Moçambique. Todavia, como tem vindo a registar-se, a Acusação lida com um problema. Falta de prova! E por vários motivos:

Em termos genéricos, porque nenhuma testemunha conseguiu evidenciar para que fim haviam sido usados os valores por si transportados! A verdade é que todos eles referiram que no momento em que alegadamente lhes foram entregues valores, que os pastores ou membros da IURD que o fizeram referiram expressamente que aqueles valores lhes estavam a ser entregues para despesas de viagens. Muitos levantaram suspeitas quanto a ser esse o seu fim. Mas nenhum demonstrou que não fosse esse o destino efectivo dos valores em causa.

De facto, da prova produzida em julgamento, a maioria das testemunhas referiu que, de acordo com o seu conhecimento, e pese embora suspeitem disso (v. depoimentos de Felner Batalha, de João Bartolomeu), esses valores seriam para ajudar a obra de Deus noutros países, ou para custear as viagens dos pastores e respectivas famílias, ou, ainda, para ajudar em despesas de manutenção de determinadas Igrejas. O que se pergunta neste momento é o seguinte: como é que se sabe que não foi este o seu efectivo destino? Onde é sustentada a alegada suspeita das testemunhas de que os valores não seriam ali investidos? E se foi afinal este o seu destino onde está o crime?

Em todo o caso, em termos concretos, a Acusação sempre pecaria porque não conseguiu alegar, nem provar, o envolvimento directo de qualquer um dos Arguidos em qualquer uma das caravanas descritas nos autos, ou na entrega dos alegados valores que os pastores faziam transportar. Note-se que sobre os Arguidos apenas se demonstrou que o Arguido Belo Kifua havia participado em duas caravanas, mas que o fez como passageiro, i.e., como peregrino, não tendo procedido à entrega e/ou recolha de quaisquer valores.

A única pessoa, de todas as que tiveram intervenção nestes autos (quer na qualidade de Arguidos, quer na qualidade de testemunhas) que foi referida como tendo estado envolvida na organização e recolha de valores foi, até, a testemunha Felner Batalha, no depoimento de Valdemar Luís, ouvido em 28.01.2022.

E, aliás, nunca seria possível ter feito prova do envolvimento dos Arguidos atendendo ao momento temporal em que ocorreram as caravanas missionárias em causa nos autos. É que dos relatos das testemunhas ouvidas em julgamento que referiram ter estado directamente envolvidas nas caravanas:

  • Nádia Comaneci Monteiro, ouvida em 21.01.2022, diz ter participado em 2004;
  • Tiago Paulo, ouvido em 19.01.2022, diz ter participado em 2009 e 2012;
  • o mesmo Tiago Paulo e Pedro Ressurreição Garcia, ouvidos em 19.01.2022, dizem ter participado em 2013;
  • Vicência Luís Andrade e João Bartolomeu, ouvidos em 14.01.2022, Tiago Paulo, Vicente João da Cruz, Capinha Domingos e Pedro da Ressurreição Garcia, ouvidos em 19.01.2022, Telma Júlia Armando, Cláudia Francisco, Francisco Ernesto, Alector Monteiro, João Capita e Rui Pedro Armando, ouvidos em 20.01.2022, Severino Gwoto e João José, ouvidos em 21.01.2022, e Eunice e Sebastião Lázaro, ouvidos em 21.01.2022 e 26.01.2022, referiram ter participado em 2014;
  • Francisco Ernesto, ouvido em 20.01.2022, e Jardel José, ouvido em 21.01.2022, dizem ter participado em 2015;
  • Alector Monteiro, ouvido em 20.01.2022, Nádia Comaneci Monteiro, ouvida em 21.01.2022, e Eunice e Sebastião Lázaro, ouvidos em 21.01.2022 e 26.01.2022, dizem ter participado em 2017.

Donde resulta que mesmo na narrativa depois criada pelas testemunhas de que Honorilton Gonçalves comandaria os destinos da IURD Angola desde Moçambique, e, portanto, desde 2018, nenhuma das mencionadas caravanas foi realizada no período temporal em que o mesmo teria a liderança espiritual da Igreja.

E, bem sabendo isto, encetaram então as testemunhas, recorde-se, os dissidentes, uma nova teoria, preconizada por Felner Batalha: desta feita que entre 2017 e 2018 teria havido uma exportação de dinheiro de Angola para Moçambique, a pedido de Honorilton Gonçalves. Antes ainda de analisarmos o argumento em si mesmo, cumpre recordar, novamente, que mesmo que assim tivesse sido – que não foi, como vamos ver – uma tal caravana não surge descrita na Acusação, não sendo, portanto, facto relevante para efeitos do apuramento da conduta dos Arguidos nestes autos. Em todo o caso, o argumento sempre falece pela base.

Como referido, Felner Batalha referiu que no período de Outubro de 2017 a Janeiro de 2018 houve exportação de dinheiro de Angola para Moçambique, designadamente do valor de 600 mil USD e que quem teria solicitado essa exportação havia sido o Arguido Honorilton Gonçalves, ao Bispo João Leite. Procura assim responsabilizar o Bispo Honorilton. Todavia, minutos antes, no seu depoimento, referiu que no período em que João Leite esteve empossado da qualidade de líder espiritual de Angola era este, e não aquele (i.e., Honorilton Gonçalves) quem tinha a liderança dos países de língua portuguesa em África e, portanto, logicamente, era João Leite quem tinha o ascendente sobre Honorilton Gonçalves, e não o contrário. Pelo que, se (e diz-se se porque, atentas as incongruências do depoimento existem muitas dúvidas na veracidade dos eventos relatada por Felner Batalha) tivesse de facto havido um pedido de Honorilton Gonçalves na transferência daquele valor que, obviamente, poderia ter ocorrido e ser justificável das mais diversas formas, a decisão final de transferência foi de João Leite.

Vale isto por dizer que, também quanto a este tema, não foi produzida qualquer prova contra os Arguidos Honorilton Gonçalves e Belo Kifua, devendo, portanto, ser determinada a sua absolvição.

Quanto ao tema das empreitadas:

Quanto às obras realizadas pela IURD, lê-se na Acusação que, com o objectivo de fazer circular dinheiro para o exterior, a IURD (e não os Arguidos, veja-se) teria realizado contratos com as empresas Cindigest Angola, Noráfrica, Teixeira Duarte, Ferbogar Angola, GR-Construções, CO.V.EDIL, LMN Construções, com valores sobrefacturados. Tendo feito esta alegação na Acusação, não deixa, todavia, de ser curioso que o Ministério Público não tenha ouvido uma única pessoa representante de qualquer uma destas empresas, e, mais, que não conste dos autos um único contrato destes que alegadamente teriam valores sobrefacturados. Pretendeu, então, o Ministério Público demonstrar tudo isto que alega através do depoimento de uma única testemunha, com um alegado conhecimento directo dos factos. A testemunha Rodrigo Cama, ouvida em 26.01.2022.

Muito se poderia dizer quanto ao seu depoimento, e quanto às inverdades que foram ali veiculadas, aliadas à franca falta de demonstração, por não ter sido exibido um único contrato, e-mail, recibo, factura ou qualquer outro documento que permitisse confirmar o que foi alegado pela mencionada testemunha. Em todo o caso, para a Defesa dos Arguidos basta referir que nem a mencionada testemunha, nem qualquer outra, apontou um único facto que tenha sido praticado pelos Arguidos quanto às contratações acima referidos. De facto, e como tinha sido já referido na peça de Contestação dos Arguidos, enquanto Honorilton Gonçalves esteve no Presbitério Geral ocorreu apenas uma interacção com uma das empresas identificadas na Acusação – a Noráfrica – que consistiu na celebração de uma adenda ao contrato de empreitada inicialmente celebrado entre aquela empresa e a IURD Angola que, de resto, foi até para redução do valor da empreitada; em todo o caso, e como é evidente, esse contrato foi assinado pelo Presidente do Conselho de Direcção, por se relacionar com uma matéria de índole administrativa e não espiritual – como resulta do Documento n.º 19 junto com a Contestação.

Não houve, assim, qualquer intervenção directa ou indirecta, formal ou informal, dos Arguidos na contratação das empreitadas descritas nos artigos 25.º a 27.º da Acusação, não tendo sido produzida qualquer prova, a esse respeito, contra os Arguidos, devendo os mesmos ser, nessa medida, absolvidos.

*

Quanto ao tema das vasectomias:

Na tese da Acusação, os Arguidos praticariam actos tendentes a persuadir e coagir os pastores angolanos a submeterem-se à cirurgia de vasectomia. Na lógica vertida na Acusação, havia uma cultura de dominação que levaria a que os pastores angolanos tivessem que fazer a cirurgia, sob pena de serem destituídos dos seus cargos. Todavia, diferentemente do que se veicula na Acusação, a realização da vasectomia não era uma obrigação, mas sim uma mera recomendação, como um de vários métodos de planeamento familiar. Essa realidade foi confirmada, não só, pela positiva (prova), por depoimentos de várias testemunhas neste julgamento, como, ainda, pela negativa (não prova), por força das regras de experiência comum.

Explicando: se houvesse, de facto, uma cultura de imposição da cirurgia de vasectomia, como justificar que das vinte e sete testemunhas da Acusação que mencionaram o tema da vasectomia, apenas nove tenham feito o procedimento? E como justificar que dessas nove apenas três tenham nos autos um auto de exame directo que, alegadamente, confirma a sujeição a esse procedimento? Se houvesse de facto uma cultura de imposição da cirurgia de vasectomia, como justificar que numa Igreja com cerca de 300 pastores, se permitisse existirem inúmeras despromoções, realocações e alegadas sanções para aqueles que não fizessem a cirurgia? Salvo o devido respeito, bastaria socorrer-nos das regras de experiência comum, para infirmar a tese que veio aqui a ser defendida pelas testemunhas da Acusação.

Em todo o caso, e para que dúvidas não restem, vejamos os concretos elementos de prova de que nos socorremos para concluir nos termos em que concluímos:

Em primeiro lugar, como referido, das vinte e sete testemunhas da Acusação que prestaram depoimento sobre a cirurgia da vasectomia, apenas nove referiram ter feito a cirurgia: Jimi António Inácio, ouvido em 12.01.2022, Domingos Raúl Paulo, ouvido em 12.01.2022, Valente Bizerra Luís, ouvido em 13.01.2022, João Bartolomeu, ouvido em 14.01.2022, Luís Manaça Muquixe, ouvido em 14.01.2022, Pedro da Ressurreição Garcia, ouvido em 19.01.2022, Alfredo Ngola Faustino, ouvido em 20.01.2022, Francisco Ernesto, ouvido em 20.01.2022, e Alberto de Jesus Combo, ouvido em 26.01.2022.

Destas nove testemunhas, apenas uma – Jimi António Inácio – referiu que teria feito a cirurgia alegadamente num momento em que o Bispo Honorilton Gonçalves já teria assumido a liderança espiritual da IURD Angola. Contudo, o próprio referiu que teria feito a cirurgia em Maio de 2019. Mesmo que o tenha feito, o que não se confirmou, a verdade é que em Maio de 2019, o Bispo Honorilton não era o líder espiritual da IURD Angola, como consta devidamente documentado nos autos, designadamente pelo Documento n.º 1 junto com a Contestação dos Arguidos, resultando também já devidamente afastada a tese de que o Bispo teria funções de coordenação da liderança espiritual a partir de Moçambique, como já referimos anteriormente.

Todas as outras testemunhas afastaram qualquer influência do Arguido Honorilton Gonçalves ou do Arguido Belo Kifua nos seus procedimentos de vasectomia.

Por outro lado, como também referido, das nove testemunhas que referiram ter feito a vasectomia, apenas três – Domingos Raúl Paulo, Alfredo Ngola Faustino e Luís Manaça Muquixe – foram submetidos a um auto de exame directo que confirmou a alegada existência de uma cicatriz na zona onde teria sido feito o procedimento. Quanto a isto, cumpre-nos referir duas coisas:

em primeiro lugar, compulsados os autos de exame constantes dos autos, não pode deixar de se suscitar as maiores dúvidas quanto à sua validade, uma vez que os autos em causa são, no fundo, um sumário do relato feito pelos próprios observados, como se de um depoimento se tratasse, limitando-se depois o corpo médico a observar a existência de uma cicatriz na zona púbica, sem entrar em maiores detalhes, bem sabendo que a circunstância de existir uma cicatriz naquela zona, por si só, não comprova a realização da cirurgia.

Em segundo lugar, cumpre também referir que a circunstância de as outras seis testemunhas não terem sido submetidas a um exame deste género tem relevância probatória, uma vez que sendo esta uma alegação carecida de prova médica, a mesma não foi, quanto àquelas testemunhas, realizada. Recorde-se, a este propósito, que nos autos consta um auto de exame directo realizado a Vicente Cruz que acaba por determinar a inexistência de qualquer cicatriz quando o mesmo, em instrução preparatória, havia referido ter sido submetido a tal cirurgia.

Nessa medida, não só a maioria das testemunhas atestou não ter feito o procedimento, o que infirma a narrativa de que havia uma cultura de pressão e coacção para realização da mesma, como, mesmo quanto às que testemunharam tê-lo feito (i) apenas foi comprovada a realização de três cirurgias, e (ii) dessas três cirurgias, nenhuma foi feita por influência dos aqui Arguidos, como, de resto, o assumiram as próprias testemunhas.

Ainda antecipando uma outra linha de argumentação, diga-se que também não faz sentido dizer-se, como o disseram aqui algumas testemunhas, que apenas não fizeram a cirurgia porque resistiram, tendo sido a seguir sancionadas. Se assim fosse, e apelando às regras de experiência comum, e se a IURD despromovesse todos os pastores que não são submetidos à vasectomia – que, reitere-se, são a sua grande maioria – não teria pastores que assegurassem as Igrejas principais, e não teria pastores titulares em lado algum. Logo se vê que a tese avançada pelas testemunhas da Acusação não tem qualquer sentido, nem se passada pelo crivo das regras de experiência comum.

Em segundo lugar, e em consequência do referido, a vasectomia era encarada pela IURD Angola, à semelhança das demais, como uma recomendação, como um dos vários métodos de planeamento familiar existentes. Esta recomendação, como referiu Honorilton Gonçalves, partia da própria literatura da Organização Mundial de Saúde, que nos seus guias de planeamento familiar inclui a vasectomia como um dos métodos mais eficazes. Também Rossana Teixeira, ouvida em 26.01.2022, e Alfa Chimbilli, em 27.01.2022, comprovaram que era assim que a vasectomia era abordada na Igreja, e que apenas eram sujeitos a uma tal cirurgia aqueles que assim optassem, em decisão familiar. O próprio Alfredo Ngola Faustino referiu que, genericamente, a Igreja apresentava a vasectomia como um método de planeamento familiar e que, inclusive, abordava outros métodos, como a pílula. O que houve, por exemplo quanto a Alfredo Faustino, foi um desvio de conduta por parte de um Bispo, no caso, Valente Bizerra Luís, que, extravasando a cultura da Igreja, procurou determinar Alfredo Faustino à realização de um tal procedimento, pressionando-o e coagindo-o. Mas o desvio de conduta de uns não faz com que seja essa a cultura da Igreja e seja esse o comportamento dos aqui Arguidos.

Ademais, a vasectomia é um método de contracepção reversível. Isso mesmo foi atestado pela testemunha Maurício Filipe, médico, e pelo depoimento da testemunha Alberto de Jesus Combo, que, por opção própria, acabou por reverter o procedimento de vasectomia.

Mas descendo ao detalhe sobre como era realizado o procedimento na IURD. Os pastores que queriam realizar o procedimento, o que partia da sua vontade, comunicavam essa intenção aos bispos ou líder espiritual, e faziam o procedimento, geralmente custeado pela IURD – que custeava a maioria das despesas médicas dos pastores e suas famílias, procurando auxiliá-los em todos os planos da sua vida –, assinando para o efeito um consentimento informado, de que tinham conhecimento através de um tradutor, para que não restassem quaisquer dúvidas quanto à sua realização e efeitos. Isso mesmo foi atestado pela Clínica Bedford, a fls. 2507, que confirmou às Autoridades da África do Sul que todos os pastores que realizaram a intervenção na Clínica haviam assinado formulários de consentimento e voluntariedade antes de serem operados, e estavam sempre acompanhados por um intérprete de origem moçambicana.

No mesmo sentido, foi também ouvido, por exemplo, o depoimento da testemunha Olivo Ndemufufina. O próprio Jimi António Inácio, em depoimento prestado em 12.01.2022, referiu que a Igreja pagava os custos de um tradutor dos pastores que faziam vasectomia.

A vasectomia era, assim, uma opção pessoal de cada pastor ou bispo, que não olhava a nacionalidades, a meios ou a vontades da Igreja. Era uma cirurgia realizada em pessoas maiores, capazes, sem qualquer anomalia psíquica ou psicológica que se conhecesse, que deram o seu consentimento expresso, de forma séria, livre e esclarecida, a uma tal intervenção. Tal consentimento foi recolhido de forma absolutamente externa à IURD, pela própria instalação hospitalar na qual foram tais intervenções realizadas, e de acordo com as normas vigentes e seguidas pela dita instalação, em cumprimento com as disposições legais e constitucionais vigentes.

Tudo isso foi atestado neste julgamento, dando-se aqui alguns exemplos:

  • Rossana Teixeira, ouvida em 26.01.2022, referiu que tinha tomado a opção, em conjunto com o esposo, de realizarem o procedimento de vasectomia, como método contraceptivo, mas que acabaram por não o fazer. E que, uma vez grávida, a reacção da Igreja foi perfeitamente normal.
  • Ivone Teixeira, ouvida em 28.01.2022, referiu ter dois filhos e que nunca sentiu ou sofreu qualquer represália por parte da Igreja (nem o seu marido), antes pelo contrário. Referiu ainda que, em conjunto com o marido, haviam tomado a decisão de que este se submeteria à cirurgia de vasectomia, por já terem tido problemas com um anticonceptivo.
  • Olivo Ndemufufina, ouvido em 28.01.2022 disse ter feito a vasectomia de forma voluntária, sem que tivesse sofrido qualquer pressão para o efeito.
  • Valdemar Luís, ouvido em 28.01.2022, referiu ter tido uma filha, e ter optado por não fazer a vasectomia, nunca tendo sido pressionado ou castigado por uma tal decisão, antes pelo contrário.
  • Kaddafi Alfredo, ouvido em 28.01.2022 referiu prontamente que não se sentia prejudicado por ter filhos, tanto mais que continuava a exercer as mesmas funções sem qualquer problema. No mesmíssimo sentido, foi o depoimento de Nelson Caquema, ouvido no mesmo dia.

Assim, e uma vez mais, é notória a falta de prova contra os aqui Arguidos, os quais, diferentemente do que a Acusação quis apontar, não praticaram quaisquer dos factos por que vêm acusados, devendo, em consequência, ser absolvidos.

Ainda assim, não podem os Arguidos, por imperativo moral, deixar de fazer uma nota em relação à prova da Acusação. Os Arguidos sentaram-se neste banco porque determinadas pessoas resolveram acusá-los de condutas que, como se viu, bem sabiam que aqueles não tinham efectivamente praticado. Entre essas vozes, levantou-se uma, talvez de forma mais alta que a maioria, para dizer que os Arguidos tinham feito tudo e mais alguma coisa. Essa voz? A de Valente Bizerra Luís. Valente Bizerra Luís que, recorde-se, foi Arguido nestes autos, curiosamente, por esta questão que agora abordamos: por existirem contra ele – isso sim – indícios de que o mesmo havia coagido pastores a realizar o procedimento de vasectomia. Nas suas declarações, Valente Bizerra Luís apontou o dedo a todos quantos pode para se escudar de responsabilidades que recairiam sobre si, na qualidade de Vice-Presidente do Conselho de Direcção da IURD Angola e de 2.º Responsável da IURD Angola, como todos o identificavam. Note-se que insinuou que todos os outros praticaram crimes, mas que ele, de alguma forma, e ainda que exercendo as mesmas funções, nunca o teria feito. Em todo o caso, note-se que teria conhecimento e responsabilidade sobre os mesmos, e nunca os denunciou até ao momento em que resolveu cindir a Igreja e autoproclamar-se responsável pela IURD Angola. No mínimo estranho… Mas ainda assim, aqui estamos nós. Mas a verdade é que chegados a este julgamento, tudo se tornou tão claro, que não podemos deixar de evidenciar.

Quanto à vasectomia, Valente Bizerra Luís foi acusado de ter pressionado e coagido pastores para realizarem a cirurgia. No uso da sua palavra, em 13.01.2022, referiu que apenas o fez porque cumpria a orientação dos representantes da Igreja. Problema? Os representantes da Igreja, à data, eram, entre outros, ele próprio. Por outro lado, refere que o Bispo Honorilton actuaria sob instruções da IURD Brasil. No entanto, não deixa de ser curioso que, se para Valente Bizerra é desculpa suficiente ter actuado sob instruções/orientações, o mesmo argumento já não seja válido para a alegada actuação do Bispo Honorilton. Qual é o sentido que isto tem? Mas, mais, a grande diferença entre um e outro, é que o Bispo Honorilton não obrigou, pressionou ou ameaçou ninguém a fazer seja o que fosse. Já Valente Bizerra Luís não pode dizer o mesmo, tendo sido produzida prova directa contra si, desde logo pelo Assistente Alfredo Ngola Faustino.

Veja-se que não existem relatos directos de que qualquer um dos Arguidos haja, de forma directa, pressionado ou coagido qualquer um dos ofendidos a realizar o procedimento de vasectomia. Diferentemente, Valente Bizerra Luís e Felner Batalha confessaram ter orientado pastores para se submeterem à vasectomia, sendo que, há até – como vimos – queixas de coacção e pressão por parte daqueles para realização desse mesmo procedimento (quanto a Valente Bizerra Luís, veja-se o depoimento de Alfredo Ngola Faustino e Sebastião Miranda Lázaro, e quanto a Felner Batalha, veja-se o depoimento de David Faustino).

*

Processo Cremilda Domingos

A par do processo acima descrito, correu um outro, a dado passo apensado a este, no qual foram os Arguidos Honorilton Gonçalves e António Miguel Ferraz acusados de, alegadamente, terem coagido e pressionado a Sra. D. Cremilda Domingos a entregar-lhes doações no valor total de 129.000.000,00 Kwanzas e uma viatura de marca Toyota, modelo Prado, e terem usado esses mesmos valores e veículos em proveito próprio.

Porém, e à semelhança do que aconteceu com a Acusação do processo anterior, o Ministério Público não conseguiu produzir qualquer prova dos factos pelos quais acusou os Arguidos.

Os Arguidos negaram a prática das condutas em causa. O Bispo Honorilton Gonçalves, ouvido em 09.12.2021, explicou que em momento algum havia contactado com a Sra. nos momentos em que aquela teria alegadamente feito doações, e que nunca havia recebido qualquer doação da sua parte, tanto mais que nunca havia cultuado na Igreja dos Coqueiros. Nessa medida, não pressionou, coagiu ou ameaçou a Sra. D. Cremilda, nem o podia ter feito, porque com ela não contactou; logicamente, não recebeu dela qualquer doação; e também não teve qualquer relação com o processo de recepção e eventual devolução dos bens por ela doados. Tudo isto foi, de resto, confirmado pela Ofendida, que, em audiência, referiu que nunca tinha recebido qualquer orientação do Bispo Honorilton para efectuar doações, e que tudo quanto doou foi de livre e espontânea vontade, e de acordo com a sua fé.

Também quanto ao Bispo António Ferraz, ouvido em 09.12.2021, o mesmo explicou que não estava em Angola no momento em que foram feitas as doações pela Ofendida e que o seu único período de coexistência com a Ofendida foi um período de dois meses em que cultuou no Templo dos Coqueiros, e que, durante esse período, apenas falou com a Ofendida uma vez, não tendo dela recebido qualquer doação. O que foi também confirmado pela própria Ofendida.

Ora, bem se vê que não tendo havido contactos entre os Arguidos e a Ofendida, não seria possível que os mesmos a houvessem pressionado ou coagido a doar seja o que for.

Mas essa ausência de coacção ficou evidente no momento em que a própria Ofendida declarou neste Tribunal que nunca tinha falado com qualquer dos Arguidos a propósito das doações e que todas as doações que realizou à Igreja foram por sua livre iniciativa.

Ficou também demonstrado que a Ofendida é uma pessoa esclarecida, com instrução superior, sem qualquer doença que incapacite a sua compreensão, pelo que bem sabia o que fazia no momento em que optou por realizar doações, não sendo crível que a mesma o tivesse feito por um período prolongado de cinco anos e que só no fim desse período é que houvesse percepcionado, de alguma forma, que havia sido pressionada.

Ficou igualmente demonstrado que a existência deste processo se ficou a dever a uma única coisa: ao materialismo da Ofendida. Veja-se que a mesma, em Tribunal, confessou que, pese embora tivesse feito as doações em causa de forma livre, que o fez, não tanto pela fé, mas porque pretendia receber o dobro de tudo quanto recebeu, e que, como isso não aconteceu, então apresentou queixa, porque se sentiu enganada. Qual é o problema? É que a ganância de uma pessoa não pode, nem deve, servir para lançar mão de um processo-crime. E a ganância também não se vê justificada pelas pregações, e pela doutrina da Igreja. Os pastores e bispos da IURD Angola apregoam a mensagem bíblica, que não pode, nem deve servir, interesses particulares. As bênçãos de Jesus são imensas, e fazem-se sentir de formas muito diferentes para cada fiel. O que não se pode exigir é que as mesmas se materializem em bens, e, mais, no dobro dos bens que são doados. E o que também não se pode exigir é a responsabilização dos pastores e bispos, homens terrenos, pela falta de verificação dessas mesmas bênçãos, ainda para mais por via de um processo-crime.

Assim, o processo resolve-se pela própria voz da Ofendida que, em julgamento, acabou por negar tudo quanto consta da Acusação, assumindo que não foi forçada a doar os seus bens. Nessa medida, deverão os Arguidos ser absolvidos da prática dos crimes pelos quais vêm acusados, por não ter sido produzida qualquer prova contra os mesmos.

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