A Ilusão dos Debates Eleitorais – Um Instrumento Político ou um Exercício Intelectual?

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OPINIÃO

Autor Anónimo


Nos Estados Unidos do século XIX, Abraham Lincoln e Stephen Douglas protagonizaram uma série de debates que entrariam para a história como um marco da política americana. Esses debates, realizados em 1858, na disputa por uma cadeira no Senado, serviu para esclarecer as posições de ambos sobre a escravidão que, basicamente, foi a razão da guerra civil que se sucedeu nos Estados Unidos, na época não havia televisão e Internet.

Os debates eleitorais carregam equívocos profundos, distantes da percepção da nossa política doméstica e análises de “especialistas” que actuam na plataforma que o Zuckerberg criou para os millenniums. Aqueles “artigos” que a pessoa lê e sai de lá mais ignorante do que entrou.

No Reino Unido, por exemplo, onde o sistema parlamentarista valoriza mais os debates no Parlamento do que nas campanhas eleitorais, a adopção de debates televisivos foi tardia, com o primeiro grande debate entre candidatos a primeiro-ministro realizado apenas em 2010, e de lá pra cá pouco acontecem. A Inglaterra tem das melhores universidades do mundo. Uma elite política, económica e intelectual que nem sequer encontra paralelos de comparação na nossa realidade, mas só entraram nisso em 2010. Estamos a falar da Inglaterra, imagina um processo eleitoral doméstico de uma organização de base de um partido político da África Subsaariana?

O que vemos, na verdade, é que os debates políticos interessam mais àqueles que buscam ganhar visibilidade do que aos que já possuem notoriedade. Para o candidato menos conhecido, um debate é uma oportunidade de ouro para se expor ao público em igualdade de condições com os seus concorrentes mais proeminentes. A lógica é simples: se quiseres ganhar visibilidade, a melhor maneira de ganhar atenção é confrontar aqueles que já estão no topo. Por outro lado, para o candidato mais visível, um debate representa um risco desnecessário. Oferecer um palco ao oponente significa dar-lhe uma plataforma, legitimar a sua voz e, potencialmente, perder a vantagem da visibilidade que foi construída ao longo de anos ou décadas de carreira política.

Tomemos, por exemplo, o caso de Angola. Nos pleitos eleitorais do país, não se observa a presença de debates políticos entre os principais candidatos. Percebemos logo que a realidade política angolana—assim como a de muitos outros países africanos—não se enquadra no modelo “mediático”. O debate eleitoral, se existisse em Angola, beneficiaria apenas os partidos da oposição.

A ilusão de que os debates eleitorais são momentos transformadores, onde o eleitor será iluminado por novas ideias, é justamente isso: uma ilusão, longe de ser um exercício acadêmico ou intelectual. É um espetáculo, batalhas de visibilidade. Aquele que já é visível não tem interesse em dar palco ao oponente menos conhecido.

Portanto, os debates eleitorais são um instrumento político, uma ferramenta. Não devemos tratá-los como um fim em si mesmo, mas como instrumento. E, como qualquer ferramenta, o seu uso deve ser de acordo com os interesses e a estratégia definida.

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