AS CONTRADIÇÕES DA UNITA DE SER E NÃO SER OPOSIÇÃO
Ismael Mateus
Jornalista
OPINIÃO
As reacções pós-eleitorais, influenciadas pela estrondosa derrota em Luanda, abordaram excessivamente o impacto no MPLA, que perdeu mais de 20 deputados e três provinciais. Criou-se a falsa ideia de que as eleições só deveriam mobilizar uma profunda análise no partido no poder.
A excessiva concentração dos comentários e das atenções sobre o MPLA, permitiu a direcção da UNITA respirar de alívio e não aquilatar devidamente o fracasso da sua estratégia eleitoral. Pelo contrário, optou por consagrar a retórica da vitimização do sistema, com o argumento de um pretenso roubo de votos. Analistas, comentadores e jornalistas que haviam apostado todas as fichas numa vitória da UNITA reproduzem agora uma lógica de desvalorização das regras e das instituições como forma de escamotear a dimensão do fracasso eleitoral. A realidade nua e crua é que apesar do enorme desgaste do MPLA, do momento político e económico profundamente adverso ao partido no poder, a UNITA não conseguiu ganhar. Apesar de grande parte do eleitorado do próprio MPLA ter decidido “ajustar contas” com o seu partido, a opção foi a abstenção e não o voto na UNITA, o que revela a persistência de uma incapacidade de se afirmar como alternativa ao partido no poder. É indesmentível um aumento do número de deputados da UNITA tal como também não se pode desmentir que o resultado ficou objectivamente muito aquém do grande objectivo de tirar o MPLA do poder.
Enquanto a UNITA continuar a esconder as suas debilidades no argumento da fraude, roubo de votos e partidarização das instituições, não terá capacidade para realizar uma análise sobre a sua postura na oposição e o modo como as suas atitudes se repercutem na confiança dos cidadãos.
Em condições normais, o líder da oposição deveria desencadear um debate interno sobre os factores que impediram que, em circunstâncias que lhe eram favoráveis, de ultrapassar o MPLA. A alegação de roubo de votos, baseada numa contagem paralela pode ser mobilizadora das massas, mas não consegue mascarar o facto desta ter sido a quinta derrota sucessiva e, sobretudo, destas eleições de 2022 terem decorrido em condições particularmente vantajosas para a oposição e mesmo assim não ter logrado vencer. Também não se pode esconder que internamente a aliança feita no âmbito da Frente Patriótica Unida implicou também um afastamento de militantes das bases com passado de luta, que agora anseiam por explicações e indicações sobre o seu futuro político.
A derrota eleitoral da UNITA pode ainda estar relacionada com o seu histórico desgaste de imagem causado pela opção de guerra feito nos anos 90. Embora essa componente esteja a diminuir, em muitos segmentos da sociedade, persiste a ideia de uma UNITA responsável pela destruição do país e pela morte de centenas e centenas de angolanos. Outra causa pode ser também o modelo de oposição adoptado em que, ao invés de uma participação construtiva, optou por uma oposição de protesto, de obstrução, votando contra, criticando as instituições, como se delas não fizesse parte. Os sucessivos ataques ao sistema político no qual eles próprios se desenvolvem acentuam a ideia de um partido mais vocacionado para a crítica e “bota-abaixo” do que para apresentar alternativas concretas às políticas governamentais.
Outra hipótese para a derrota pode ter sido também a estratégica eleitoral, baseada essencialmente na alternância como um fim. Acreditou-se que o simples pedido de alternância, sem um programa de governo com conteúdo alternativo, seria suficiente para que se desse à UNITA uma oportunidade para a governar. Essa opção acabou por acentuar ainda mais, curiosamente, a ideia de falta de alternativas às políticas de governação. Quando durante a campanha se pretendeu corrigir, apresentou-se um conjunto de ideias que, contas feitas, não se distinguiam muito das propostas do partido no poder.
Se a UNITA quiser ganhar as eleições em 2027, terá de mudar o chip. Deixar de actuar como um partido de contestação, do bota-abaixo e conquistar a sociedade pela capacidade de oferecer alternativas às políticas governamentais.
Os primeiros sinais são contraditórios: Nas redes sociais, algumas figuras históricas cantam vitória, que, na verdade é derrota e passam a ideia de uma paz e estabilidade internas. O partido parece conformado e satisfeito, quando deveria realizar um debate interno para avaliar as razões que impediram uma vitória em circunstâncias tão vantajosas.
O abandono da plenária na Assembleia Nacional e a convocação de manifestações são outros sinais de que o maior partido da oposição vai continuar a sua estratégia de descredibilização das instituições. Para a sociedade passa-se um sinal de ambiguidade, em que, por um lado, critica e desvaloriza as instituições e, por outro lado, faz parte delas e até disputa os seus lugares cimeiros.
A ambiguidade é ainda maior quando também vemos sinais positivos, como por exemplo as tomadas de posse na assembleia e no Conselho da República e a declaração pública de disponibilidade para trabalhar com o MPLA na construção do país. Aos olhos da sociedade a UNITA necessita de deixar claro a postura que pretende adoptar até 2027. Se pretende fazer oposição ao sistema político e não ao Governo, então não pode fazer parte das instituições que critica. Se a sua oposição é às medidas governamentais, então tem de contribuir aberta e honestamente para o fortalecimento das instituições, estabilidade política do país, facilitar as condições de governabilidade e apresentar ideias alternativas que a vão consolidar como partido com vocação de poder.
Mais do que realizar protestos de rua ou de cadeiras vazias, um partido que quer chegar ao poder tem de definir estratégias, acções políticas e outras para aumentar a fiscalização e transparência do Governo, apresentando-se como defensora do interesse público. Por fim, tem de actuar como parte do sistema, respeitar as regras do jogo, melhorá-las, se necessário; e afastar-se das correntes, grupos radicais da sociedade que apostam no descrédito das instituições angolanas.