A GOVERNANÇA “SOMBRA” NO SECTOR DA PESCA O PROTOCOLO SOBRE AS PESCAS DA SADC- PRIMEIRA PARTE

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ARTIGOS DE PESQUISA

Autor: F. Nassoma Bentral-Baldacchino

TEMA: A GOVERNANÇA “SOMBRA” NO SECTOR DA PESCA O PROTOCOLO SOBRE AS PESCAS DA SADC PRIMEIRA PARTE


Introdução

Os produtos da pesca constituem uma das principais fontes de alimentação da população angolana e, porque a actividade de pesca providencia elevados benefícios económicos e proporciona postos de emprego e o alívio da pobreza, há necessidade de se fiscalizar a gestão dos recursos aquáticos vivos.

No entanto, nos últimos anos, as unidades populacionais de peixe têm sido sobreexploradas, pondo em perigo o futuro de algumas espécies de peixe.

Este sector enfrenta dificuldades em manter a sua actividade e ciclos de produção planeados, o fornecimento de suprimentos de produção (por exemplo, sementes e rações) e o acesso ao crédito. Este estudo é orientado para a governança no sector da pesca, que é uma das importantes actividades praticadas no mar. Sendo um tema vasto que nos exige profunda reflexão e longa exposição, por gestão de tempo, analisaremos apenas o Protocolo sobre as Pescas da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) celebrado em Blantyre, Malawi, aos 14 de Agosto de 20011, que será ratificado ainda no primeiro trimestre deste ano2, isto é, vinte e três anos depois.

A SADC é uma Comunidade Económica Regional composta por dezasseis Estados-membros, nomeadamente, Angola, Botswana, Cômoros, República Democrática do Congo, ESwatini, Lesoto, Madagáscar, Malawi, Maurícias, Moçambique, Namíbia, Seychelles, África do Sul, República Unida Tanzânia, Zâmbia e Zimbabwe.

A comunidade é bainhada por dois oceanos e tem três dos quatro maiores lagos de África, daí ser relevante discutir a sustentabilidade dos mares.

Não podemos deixar de questionar quantos acordos bilaterais e multilaterais, protocolos regionais e internacionais no âmbito das pescas Angola assinou e ratificou para efeitos de estudo comparativo. Não é possível dar uma resposta peremptória a esta pergunta, uma vez que as informações não estão disponíveis.

Porém, sabe-se que há acordos com a União Europeia, Espanha, Portugal, Itália, França, Noruega, Rússia, China, entre outros. O tema tem como objectivo o Protocolo sobre as Pescas da SADC3 e refletir se internamente Angola tomou medidas necessárias (decretadas pelo referido instrumento) para atender às futuras implicações de questões marítimas que poderão advir, com particular referência à gestão dos recursos compartilhados.

Âmbito de aplicação O Protocolo em estudo, uma vez ratificado, aplicar-se-á aos recursos aquáticos vivos e ecossistemas dentro da jurisdição dos espaços marítimos sob soberania nacional, designadamente as águas interiores, o mar territorial, a zona contínua, a zona económica exclusiva e a plataforma continental, nos termos do art.º 2.º do Protocolo sobre as Pescas conjugado com o art.º 3.º da Lei n. 14/10, de 14 de Julho, Lei que regula o exercício de poderes, dos direitos e dos deveres do Estado angolano e define os limites dos espaços marítimos sob soberania e jurisdição nacionais.

A superfície marítima angolana é cerca de 162 000 milhas, inferior a 1 246 700 km₂ do espaço terreste, o que quer dizer que Angola é mais terra do que mar. Relembrar que Angola submeteu, em 6 de Dezembro de 2013 e em 24 de Agosto de 2015, respetivamente, no plenário da Comissão de Limites da Plataforma Continental, a extensão da sua Plataforma Continental4. Caso seja deferida a petição da extensão da plataforma continental, o protocolo em questão também se aplicará nessa zona, bem como, os recursos aquáticos vivos que se encontram no alto-mar que poderão ser considerados como do interesse do Estado angolano.

Nos termos do art.º 3.º, o Protocolo tem como objectivo promover o aproveitamento responsável dos recursos aquáticos vivos e dos seus ecossistemas de interesse do Estado com o fim de:

a) Promover e melhorar a segurança alimentar e a saúde humana;

b) Salvaguardar os sistemas de vida das comunidades pesqueiras;

c) Criar oportunidades económicas para as populações locais na região;

d) Garantir que as gerações futuras beneficiem destes recursos renováveis;

e) Aliviar a pobreza, com vista à sua erradicação.

A responsabilidade de implementação do Protocolo é essencialmente nacional, mas para o caso dos recursos compartilhados, os Estados Parte cooperarão entre si com vista a garantir o cumprimento do objectivo acima descrito e esforçar-se-ão em garantir a participação de todos actores interessados na sua promoção. Atendendo a que os recursos vivos constituem uma riqueza nacional, o Estado angolano deve regular devidamente o seu uso e proteger contra a sua exploração excessiva, criando ao mesmo tempo um ambiente favorável e capacitar a utilização sustentável destes recursos.

Devemos admitir que o nosso país não é forte em matérias pesqueiras, com debilidades em transferir os conhecimentos e as tecnologias e falta de meios de vigilância nas zonas marítimas, estes factores são alguns dos motivos da ineficácia dos acordos em que Angola é signatária.

Se olharmos para os países costeiros que são signatários do Protocolo em analise e da Convenção da Corrente Fria de Benguela, designadamente a República da África do Sul e a República da Namíbia, Angola é menos/não avançada no que diz respeito à segurança marítima, não por falta de investimento, mas por falta de vontade de execução.

Não vamos equiparar a nossa governança marítima com a sul-africana por esta, achamos nós, estar no nível de comparação com os países desenvolvidos, mas faremos com a namibiana que, quatro anos depois da sua independência, estabeleceu a sua Marinha com menos de um quarto do valor que foi investido na Marinha de Guerra angolana em vinte dois anos de paz. É oportuno de expressar a nossa opinião de que é tempo sem hora de eliminar “Guerra” e ficar apenas “Marinha de Angola”.

Responsabilidade nacional Com a implementação do Protocolo, Angola tem a responsabilidade de harmonizar as leis ̶ com particular referência à gestão dos recursos compartilhados, nos termos do art.º 8.º, n.º 1 ̶ , políticas, planos e programas relacionados com a pesca, assim como tomar medidas que visam garantir que os recursos aquáticos vivos, que se encontram dentro e fora dos limites de jurisdição nacional, sejam usados de forma racional e responsável para que não sejam ameaçados pela exploração excessiva.

O Protocolo prevê que o nosso país pode estabelecer cláusulas específicas nas legislações sobre as pescas e outros instrumentos relevantes em conformidade com as disposições contidas na Convenção do Direito do Mar, no Acordo das Nações Unidas relativo à Implementação e no Acordo relativo à Promoção do Cumprimento das Medidas Internacionais (art.º 6.º, n.º 2 do Protocolo). Igualmente decreta o citado instrumento, nos termos dos n.ºs 1 e 2, do art.º 8.º, que «toda a pesca e actividades auxiliares ilegais praticadas por nacionais de um Estado Parte serão consideradas como infracção, nos termos das leis angolana.

Devem os Estados criar mecanismos apropriados com vista a facilitarem a cooperação na perseguição cerrada de navios que violem as leis de um Estado Parte e entrem num outro Estado Parte.». Esta norma é reflexo do que se passa na fronteira marítima entre a República de Angola e a República da Namíbia.

Respeitante aos navios, o Estado angolano deve autorizar o uso dos navios com o seu pavilhão nas águas nacionais, apenas em situações em que possa exercer efectivamente as suas responsabilidades sobre os tais navios. Quanto aos navios que pescam nas zonas marítimas, o Estado deve tomar medidas apropriadas com vista a garantir o cumprimento das medidas adoptadas ao abrigo do Protocolo e que não se envolvam em nenhumas actividades contrárias à eficácia de tais medidas (n.ºs 3 e 4, do art.º 5.º do Protocolo).

Angola cooperará no estabelecimento de termos e condições mínimos harmonizados de acesso dos navios pesqueiros sem o pavilhão da SADC aos recursos haliêuticos dos Estados Parte, assim como, aos navios com o pavilhão da SADC (art.º 10.º). Aqui levanta-se a questão de registo dos navio e dos armadores “angolanos”. Estas questões dificilmente são debatidas na cena pública.

Os navios referidos não são os tradicionais usados pelos pescadores comunitários, mas tratam-se, sim, dos de grande porte e que pescam na nossa zona contínua e zona económica exclusiva, nomeadamente navios que ostentam as bandeiras chinesa, russa ou de países europeus.

Este Protocolo é uma oportunidade de impulsionar a Economia Azul atraindo armadores dos países da SADC sem costa marítima para registarem os seus navios, especialmente do Botswana, Zâmbia e Zimbabwe, destarte a logística portuária. Nos termos do diploma em referência, Angola poderá cooperar com o uso dos meios de fiscalização com vista ao aumento da eficiência das respectivas actividades e à redução dos seus custos para a região.

Igualmente, poderá concluir um acordo de cooperação para o fornecimento de pessoal e o uso de navios, aeronaves, comunicações, base de dados e informação, ou outros meios para efeitos de fiscalização e aplicação da lei relativa às actividades piscatórias.

Angola pode permitir a um outro Estado Parte estender as suas actividades de fiscalização e aplicação da lei da pesca para a sua jurisdição marítima, designadamente águas interiores e a Zona Económica Exclusiva e, em tais circunstâncias, as condições e o método de paragem, inspecção, detenção, orientação para o porto e o confisco de navios serão guiados pelas leis e normas internas angolanas e a aplicação da lei sobre actividades piscatórias (al. d) do art.º 9.º).

Pode verificar-se que a Convenção da Corrente Fria de Benguela estabelece uma norma semelhante a esta matéria, por essa razão é que a marinha namibiana monitoriza a costa sul e informa as autoridades nacionais sobre as embarcações que pescam ilegalmente no seu mar e se refugiam nas águas angolanas.

Diferentemente desta convenção, a norma do protocolo, ao permitir a actuação de outro Estado nas nossas águas, limita a nossa soberania na jurisdição nacional marítima e pode conflituar com a Constituição.

No âmbito da matéria penal, estabelece o n.º 4, do art.º 8.º, que os Estados-membros cooperarão em assuntos tais como:

a) Procedimentos de extradição para um outro Estado Parte de pessoas acusadas de infracção das leis inerentes à pesca de um outro Estado Parte, ou que estejam a cumprir uma sentença nos termos das leis do tal Estado

Parte;b) Estabelecimento de níveis regionais comparáveis de penas impostas para situações de pesca ilegal praticadas por navios que não sejam de pavilhão da SADC e em relação à pesca ilegal por navios com pavilhões da SADC em águas dos outros Estados

Parte;c) Realização de consultas sobre medidas conjuntas a serem tomadas no caso de existência de motivos suficientes para acreditar que um navio terá sido usado para fins contrários à eficácia das medidas adoptadas ao abrigo do presente Protocolo.

Tais medidas incluirão a devida notificação do Estado do pavilhão e o compromisso do Estado do porto em relação a tais medidas de investigação, conforme possa ser julgado necessário para determinar se efectivamente o navio foi usado contra as cláusulas contidas no presente

Protocolo; ed) Estabelecimento de um mecanismo de registo de navios pesqueiros internacionais e nacionais que servirá de instrumento de conformidade e como forma de partilhar informação sobre a pesca e as actividades conexas.

Lembrando que a República da Namíbia indiciou criminalmente por corrupção a antiga Ministra das Pescas 5, questiona-se se a mesma poderá ser extraditada nos termos da al. a) do n.º 4, do art.º 8.º. Cremos que sim, porém dependerá do trabalho de casa da justiça e diplomacia angolana, que perderam a sua credibilidade na arena internacional.

Por outro lado, o Protocolo dita que o Estado poder designar pessoas competentes para agirem como agentes de aplicação da lei sobre as actividades piscatórias, ou como observadores a bordo, de forma a desempenharem as actividades em nome de dois ou mais Estados Parte (al. c) do art.º 9.º).

Esta medida é uma forma de descentralizar e descongestionar atribuições ao Ministério das Pescas e Recursos Marinhos. Caso assim aconteça, Angola ganhará voto de confiança perante outros Estado Parte.

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